Capítulo 36

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A respiração de Jonathan estava agitada no começo, mas foi se acalmando. O joelho esquerdo dele encostava na minha coxa direita. O silêncio já estava pesando.

— Sabe do que chamam essa casa? — Comecei uma conversa aleatória.

— Não.

— "A Casa do Amor".

Jonathan se virou de lado para ver meu rosto.

— Bonito nome. Mas por quê?

— A história é antiga e eu não sei tudo, mas, basicamente, é o seguinte: muito tempo atrás tinha aqui uma casinha de madeira onde vivia uma senhorinha devota de Santo Antônio. Sabe, o santo casamenteiro, aquele das festas juninas da escola.

— Eu sei. A propósito, eu já fui a noiva numa quadrilha junina da escola.

— Você nunca tinha falado disso.

— É que eu tinha vergonha. Imagina, escola religiosa, a sua mãe lá... enfim. Peruca, vestido e maquiagem, quase ninguém notou. Fiquei uma gata! — Ele riu. — Mas prossiga.

— Ok, noiva. Voltando, a senhorinha construiu sozinha uma capela pra Santo Antônio, e os devotos vinham aqui pra fazer promessas e tal. A senhorinha morreu e a filha dela construiu essa casa no lugar da de madeira, mas manteve a capela e deixou o pessoal continuar vindo colocar fitinhas e fazer promessas pro santo. Daí a fama da casa do amor.

— E cadê a capela? — Jonathan ficou animado, se erguendo sobre o cotovelo.

— Calma, eu vou chegar lá. Então, tinha uma mulher que morava aqui em frente. Uma morena bonita com um marido abusivo. Batia nela e tudo. O dono do bar, um tipo meio gangster, se apaixonou por ela. Comprou essa casa, reformou, e pra enfiar a caminhonete gigante dele na garagem, mandou demolir a capela. Deixou o pessoal da rua toda triste. Mas essa continuou sendo "a casa do amor", dizem que dá sorte pra quem mora aqui. O dono do bar, por exemplo, conquistou a sua amada, deu um sumiço no ex dela, e hoje a madame mora numa casa que tem cinco vezes o tamanho dessa.

— Uma sorte meio... questionável, você não acha? A força do amor é o que? Uma arma?

Rimos.

— Pois é. Dizem que há relatos melhores sobre a casa. Será que ela vai dar sorte pra mim?

— Quem sabe? Você acredita?

— Eu não. Mas gosto da história. Eu deixaria o povo vir colocar as fitinhas se a capela ainda estivesse aqui. Não tem nada mais bonito que a doce ilusão do amor.

— Será que ficava aonde? — Jonathan já estava sentado, impelido pela curiosidade.

— Ali na garagem. A vizinha aqui do lado já me mostrou.

— Vamos lá?

— Vamos. — Me levantei e segui pelo corredor com Jonathan ao meu lado. — Mas não tem mais nenhum vestígio, ok? Foi tudo cimentado e revestido de cerâmica.

Chegamos na área externa. Apesar do horário, o sol ainda brilhava. Era o verão batendo na porta.

— Era mais ou menos na direção daquela viga. A vizinha disse que chorou e implorou pela capela, mas o Jack não cedeu. Então ela pegou os tijolos e o santo e guardou até ter um terreno pra construir.

— Puxa, que pena! Eu queria fazer um pedido.

— Faz, ué. Não precisa ser num local específico.

— Precisa sim, Dan. Você não entende?

— Entendo. Nunca julguei a fé alheia. Já disse, eu ia gostar se a capela ainda estivesse aqui. Seria mais interessante que esse monte de concreto brega. Olha, nem um gramado, nem uma florzinha. Luzes e azulejos demais. Bom pra manter limpo, mas frio, chato, sem humanidade. Aliás, que pedido você ia fazer?

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