Capítulo 8

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2007

É

estranho e doloroso quando a gente começa a tomar ciência dos sentimentos e o que eles significam. Os sentimentos inoportunos, indizíveis, e, pra piorar, não correspondidos. O sentimento de perda, de ausência, de injustiça. E de esperança.

Às vezes Jonathan falava em ciúmes, que o que eu sentia ao não concordar com o fato de que ele tinha uma namorada era ciúmes, e eu não sabia o que era isso. Mas depois de tudo o que tínhamos compartilhado, as intimidades, as conversas de pé de ouvido, os beijos e abraços, vê-lo circular com outra pessoa a tiracolo foi frustrante. Não apenas frustrante, foi doloroso. Senti raiva, vontade de expor aquele sem-vergonha na frente de todos, vontade de nunca mais ver a cara dele. Quem ele pensava que era? Era isso o ciúme?

Mas também senti vontade de protegê-lo, ainda que fosse de mim mesmo, por isso decidi que o melhor a fazer era ir embora daquela festa. Fui embora sem olhar para trás.

Foram muitos dias remoendo e revisitando aqueles sentimentos até conseguir formular algo concreto. Nesse tempo, não falei com o Jonathan, nem mesmo por mensagem, e ele não falou comigo.

Se passaram algumas semanas, ao fim das quais eu já me sentia melhor: estava aceitando que o que eu sentia pelo Jonathan não era uma simples amizade; se fosse, eu não estaria pensando nele embaixo das cobertas. Era uma coisa mais doce e mais amarga, mais simples e mais complicada: um desejo gostoso, uma ânsia. Era a tal paixão. Eu ainda não entendia como esse sentimento tinha surgido, mas aceitar e me acostumar com ele foi um passo importante na minha vida.

Porém, quando finalmente mandei mensagem para o Jonathan, ele demorou a responder, e quando respondeu, foi para dizer que estava numa república onde tinha que disputar uma vaga, que tinha gente por perto o tempo todo, e que nem no quarto ele ficava sozinho. Até entendi, afinal, ele tinha dito que seria difícil, só não concordei com a brusquidão da resposta. Esperei por um retorno mais tarde, mas esse retorno não veio.

Uma semana depois, novamente mandei mensagem perguntando como ele estava, e ele disse apenas que não podia falar comigo. Assim, sem mais, como se eu fosse um incômodo qualquer. Nesse dia eu não fiquei triste, e sim com raiva. Mandei outra mensagem perguntando se ele já tinha "medido" os colegas, se é que ele me entendia, e ele também ficou nervosinho. Perguntou se eu queria arruinar a vida dele, se eu era esse tipo de amigo. Então eu o mandei tomar naquele lugar, e ele não respondeu mais.

Me lembro de andar sem rumo pelas ruas naquela tarde, o ar quente no princípio da noite e um temporal se formando. Os relâmpagos enfeitando o céu e os trovões abafando os outros sons da cidade. Era como meu mundo interior, que oscilava entre o triste e o raivoso. Eu queria chover em algum lugar.

Aquele temporal foi rápido, mas deixou estragos. Ao fim de alguns dias, porém, quase tudo estava no lugar. Eu também estava bem, rearrumando os sentimentos dentro de mim.

Mais de dois meses depois, sem nenhum aviso, Jonathan apareceu lá em casa. Era sábado e eu tinha acabado de chegar do trabalho. Estava cansado, me esquivando das ideias que minha mãe tinha para aquela noite com coisas da igreja. Quem o viu no portão foi mamãe, e ela ficou feliz. Ela não sabia o que tinha nos separado.

— Obedran, o Jonathan está aqui!

Embaixo do chuveiro, eu não entendi.

— Quem, mãe?

— O Jonathan, aquele seu amigo branquinho.

Não tinha engano: eu não tinha outro amigo branquinho. Na verdade, poucos amigos iam à minha casa.

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