Capítulo 17

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Tudo fica pequeno diante da grandeza morte. Nada mais faz sentido: nenhuma dor, nenhuma decepção, nenhuma mágoa. Tudo fica cinzento e vazio.

Mamãe não estava com boa saúde, mas ninguém imaginava que o pior fosse acontecer assim, de repente. Um ataque cardíaco fatal. A manhã chegou chuvosa depois de uma noite quente na qual ninguém dormiu.

Tinha muita gente me acompanhando na angústia da espera. Pessoas iam chegando conforme o tempo passava e a notícia corria. Parentes, conhecidos de outros bairros, irmãos da igreja. Apesar da multidão, o silêncio reinava.

Eu estava petrificado, variando entre a incredulidade e o desespero. O tempo não passava, os relógios não se moviam. Apesar da claridade, ainda parecia noite, eu preso num pesadelo.

Quando vi, Jonathan estava na minha frente. Eu não sabia que estava na cidade.

— Meu amigo — disse ele chorando ao me abraçar. Seu nariz e olhos estavam vermelhos. — Vim assim que soube. Sei que você faria o mesmo por mim.

— Eu não estava aqui — foi o que consegui dizer, desabando em lágrimas a seguir. A presença de Jonathan me deixava mais aberto e mais vulnerável. Até então eu estava duro e apático, ainda não tinha chorado, o que me fazia doer o peito.

— Não se culpe. Você não ia poder fazer nada. Foi de repente, não foi?

— Foi. Eu tinha saído, ela não queria ficar sozinha.

— Não foi culpa sua. Vou ficar aqui com você, tá? — Ele saiu do abraço e segurou meu rosto.

— Ela gostava muito de você.

— Eu sei. Ela era quase uma mãe pra mim.

Jonathan ficou ao meu lado durante todo aquele dia, muito mais do que meus parentes. Segurou a minha mão em silêncio, como um bom amigo, e Mara ficou do outro lado. Eles só foram embora à noite, depois de todos os procedimentos. E então eu fiquei sozinho.

Havia outras pessoas, claro. Tios e tias, primos, pessoas que eu não conhecia, irmãs, sobrinhos pequenos, e os cunhados. Mas a pessoa mais próxima de mamãe era eu e as vizinhas do lado. Havia anos que morávamos sós. Apesar dos choros, dos acessos de emoção de todos, ninguém sentiria aquela perda como eu. E apenas um dia depois eu soube como funcionavam as coisas de verdade.

As pessoas foram tomando seus rumos, suas vidas, até que na casa só sobraram os herdeiros. O silêncio e o choro diminuíam, assim como o decoro, e as conversas de família foram ficando cada vez mais práticas e embaraçosas. Logo minhas irmãs estavam discutindo sobre a casa, o único bem deixado por minha mãe. Meus cunhados brigaram. O debate seguiu acalorado sobre a divisão de itens domésticos, ignorando o fato de eu ainda morar ali. Tudo seguia como um pesadelo absurdo do qual eu não conseguia acordar.

Me recusei a conversar. Apenas me sentei no chão do meu quarto e abracei os joelhos esperando o que quer que fosse acontecer. Então Jonathan chegou, silencioso e com as mãos nos bolsos. Estava pálido, com um sorriso triste. Se sentou ao meu lado, na mesma posição que eu.

— Eu voltei. Achei que talvez você fosse precisar de mim.

Assenti, sentindo a dor escorrer pelos olhos. Cercado de outras pessoas, eu não conseguia chorar e a minha cabeça ficava horrível.

— Obrigado.

— Você devia participar da conversa que tá rolando ali fora. Tão falando sobre a sua casa.

— Não quero. Não consigo. Eu só queria que isso acabasse logo, que todo mundo fosse embora e me deixasse em paz.

— Quer que eu vou lá pra você? Não sou da família, mas posso falar que você me mandou. Eu também sei xingar.

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