Capítulo 2

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2005

Me lembro de todos os detalhes do dia em que o conheci. Ele atraiu minha atenção desde o primeiro olhar, tanto por sua aparência quanto por seu comportamento.

Ele tinha as bochechas mais rosadas que eu já tinha visto, o nariz sardento, um topete no cabelo louro-avermelhado e um bico de raiva e insatisfação. Ele tinha chegado alguns minutos mais cedo, e todo lugar que ocupava, logo aparecia alguém pra reclamar. Já tinha sido obrigado a trocar de lugar duas vezes e estava zangado. Era o meio do ano, todos já tinham marcado seus lugares e ninguém era maduro o suficiente para deixar pra lá.

Ainda antes da primeira aula, eu me aproximei gentilmente. Tinha visto a dança das cadeiras e queria ajudar. Na época, eu era bem mais diplomático.

— Oi. — Sorri para ele. — Tudo bem?

— Esse é o seu lugar? — Ele ficou ainda mais zangado e mais vermelho e já ia se levantando.

— Não. Meu lugar é lá na frente. — Fiquei sem graça pela recepção. — É, eu vou voltar para lá.

— Esse lugar aqui é vago?

— Sim. Esse aqui também. — Apontei um na fila do lado. — Você podia ter perguntado antes.

— Tá, valeu. É a minha primeira vez nessa escola. — E, pela cara, não estava gostando nem um pouco.

A professora logo identificou o novato, mas ele ficou emburrado e se recusou a se apresentar. A próxima ignorou a cara feia dele e o obrigou dizer o nome e um pouco de sua história.

O nome dele era Jonathan. Ele estava vindo de uma escola particular e tinha se mudado para o bairro depois da separação dos pais. Houve um silêncio respeitoso depois de sua apresentação séria e resignada. No recreio, ele estava amuado. Se sentou sozinho com uma lancheira, o que me pareceu curioso. Quase ninguém levava lanche de casa porque tinha merenda e cantina na escola, e quando se levava algo, era para compartilhar.

Na volta para a aula, ele estava um pouco menos arrogante. Me viu e sorriu para mim, vindo em minha direção.

— Você é o Obedran, não é?

— Sim.

— Você gosta de ficar lá na frente?

— Sim. Por quê?

— É que eu ia te chamar lá para carteira vaga, do meu lado. Eu não conheço ninguém aqui e você é tão legal! Mas se você não quiser, tudo bem.

Olhei o lugar, não muito animado. O novato estava forçando simpatia depois de ter sido chato no começo do dia. Aceitei o convite para que ele não ficasse sem graça.

No fim, Jonathan não tinha nenhum problema de socialização. Bem pelo contrário. Logo ele estava conversando com todo mundo. Só que ele era mais adiantado que toda a turma, e isso o entediava. Tudo o que íamos estudar, ele já tinha estudado. Então ele se distraía jogando papeizinhos nos outros, e às vezes esses papéis nojentos se agarravam ao meu cabelo crespo. Quando os outros se irritavam, ele fingia que não tinha feito nada.

Quando fiquei puto com o lance dos papéis e ameacei retornar ao meu lugar, ele parou. Pediu desculpas. Explicou que estava odiando a escola.

— Você não queria vir para cá? — perguntei quando o vi mais uma vez emburrado, fazendo desenhos estranhos numa folha.

— Não. Eu nunca estudei em escola assim. Mas minha mãe foi pra fazenda e eu tive que ficar com meu pai, e ele diz que não pode ficar gastando comigo. Como eu vou me preparar pro vestibular aqui nessa...? — Ele ia falar um palavrão, mas parou a tempo.

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