Numa sexta-feira à tarde eu saí da escola e fui comprar umas roupas. Demorei mais do que gostaria e, pra piorar, começou a chover. Eu tinha planejado chegar em casa cedo, descansar, fazer várias coisas, por isso estava nervoso.
Atravessei a rua correndo para me abrigar sob uma marquise, pois o ponto de ônibus era desprotegido. Abracei as sacolas para que nada se molhasse. Enquanto esperava a chuva diminuir, olhei o celular. Richard não gostava de ser ignorado.
Um carro parou logo à frente, mas eu não prestei atenção, tinha vários carros por ali. Ele deu ré, mas também não significou nada para mim. Apenas quando vi uma cabeça castanho-avermelhada e um sorriso familiar eu entendi: era o Jonathan me chamando.
— Oi! Quer uma carona?
— Não precisa, Jonathan. Obrigado.
— Vai se molhar para que? Entra aqui!
Ele continuou a insistir e eu acabei aceitando. Entrei no carro e coloquei as sacolas no colo. Ele me sorriu e ajustou a temperatura do ar-condicionado.
— E aí, como tem passado?
— Estou levando. Me acostumando, sobrevivendo. E você?
— Do mesmo jeito de sempre.
— O que você tá fazendo aqui? Não é seu local.
— Não mesmo. Eu tô na maternidade, bem longe daqui. Mas eu queria te ver, então te procurei ao invés de te ligar.
— Eu disse pra você não fazer isso, não disse?
— Tá bravo assim por quê?
— Não tô bravo. Por que você me procurou de novo?
— É o mesmo assunto daquela vez. Assunto sério. Preciso de ajuda, e você tinha dito que ia ajudar.
— Passaram os trinta dias e você não falou mais nada. Achei que você tivesse deixado isso pra lá.
— Você deixaria? — Ele me olhou. — Você deixaria pra lá?
Abri a boca para responder, mas não saiu nenhum som. Eu nunca tinha me colocado no lugar dele pra pensar.
— Você não sabe, não é?
— Não. Sendo honesto, eu não sei o que eu faria no seu lugar. Mas também, eu nunca chegaria ao ponto de ter esse tipo de dúvida.
Jonathan não respondeu. Apenas manteve o olhar no trânsito.
— Em que você quer a minha ajuda? — Retomei o diálogo reconhecendo que meu comentário tinha sido ruim.
— Mandei fazer o exame. Agora falta coragem pra olhar o resultado.
— Tá aqui? Me dá e eu olho pra você.
— Tem três dias que tá aqui no carro e eu tô... bem, você me conhece. Se eu fosse pedir pra outra pessoa abrir, teria que contar a história e tudo mais. E você já sabe, então...
— Não, tudo bem. Eu olho. E fico por perto até você assimilar o resultado. É pra isso a minha ajuda, não é?
— É.
Eu nem tinha reparado, mas já estávamos chegando na minha rua. Jonathan parou próximo ao portão e desligou o carro. Abriu o porta-luvas, tirou um envelope branco lacrado e me entregou.
— Como você colheu a amostra? Não pediu a minha ajuda nisso...
— Tinha a questão da oportunidade, que era a parte mais difícil. Eu quase não vejo o pivete. Tinha desistido já de tentar, daí um dia meu pai me pediu pra buscar ele na escola, então eu tomei coragem e dei andamento no plano. Falsifiquei uma autorização dele pra isso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Temporais
RomanceAlguns personagens dessa história aparecem em "Depois da Tempestade", mas não se trata de uma continuação. Não é preciso ler Depois da Tempestade antes. Quem leu, pode se lembrar de alguns spoilers. Sinopse Dois mundos opostos se encontram no fina...