Mara me convidou para um churrasco em sua nova casa, a poucos quarteirões de onde eu morava. Pouca gente, ela disse, só socializar mesmo. Ela estava outra vez solteira e a fim de recuperar o tempo perdido, e já tinha me aconselhado a chutar o pau da barraca.
Eu sabia bem o que isso significava: Lothar iria estar presente, e eu seria sua única companhia. Tive até pena; eu não pretendia me esforçar nem um pouco pra melhorar a noite dele, não importava que planos maravilhosos dona Marilene tivesse para nós. Eu estava me entendendo melhor com Richard depois de reconhecer que era impossível para ele ou pra qualquer pessoa achar normal meu cuidado para com meu ex. Mas eu não estava feliz em ter que explicar isso. Ainda queria saber quem era o transportador ou a transportadora de conversa fiada, pois essa pessoa não tinha moral nenhuma pra me julgar e pra fazer inferno na minha vida.
Fui cedo, levei carne e me sentei pra não fazer nada. Era o horário de conversar com Richard.
"Você tá cuidando das coisas que te falei? Não pode deixar pra última hora."
A preocupação de Richard agora era em relação à viagem. Mesmo abalados, a gente não ia perder a oportunidade.
"Sim. Tá tudo no esquema. Tô aqui na Mara agora. E aquele amigo dela, que te falei aquele dia, acabou de chegar"
"E você vai beijar ele hoje?"
"Não vai ser preciso. Falei isso aquele dia pra te irritar. Tinha o ex dele lá no bar, e o cara estava acompanhado, maior climão, então Mara inventou aquilo."
"Vai brincando com a sorte. Ele é bonito?"
"Defina bonito"
"Parecido comigo"
Ri da constatação. Nem Richard economizava na ideia ridícula de que eu tinha um gosto muito específico para homens.
"Então não é"
— Então você veio... — falei quando Loth pareceu desconfortável ao meu lado apesar de todo o aparato organizado por minha amiga pra deixá-lo bem. — Achei que não viesse.
— Quase não vim mesmo. Eu tinha ido ao médico, e isso sempre demora.
— Está tudo bem?
— Sim.
Ele foi seco no "sim", então não segui perguntando.
Mara se sentou perto de nós e os dois começaram a conversar. Imaginei que isso era pra provocar entendimento entre nós dois e não dei atenção, mas me senti mal ao saber que o drama de Loth era real. Quatorze cirurgias! A décima quinta a caminho, ele se recusando inutilmente.
Fiz um elogio à evolução, o que ele reagiu com desconfiança. Mara me advertiu com o olhar.
Quando ficamos a sós outra vez, o assunto das cirurgias tinha rendido. Minha curiosidade tinha sido despertada e Loth estava menos na defensiva. Passamos um bom tempo conversando.
— Como eram as suas pernas quando você nasceu?
— Nunca saberei. As primeiras cirurgias aconteceram quando eu era bebê. E as últimas, para consertar erros das primeiras. Tenho titânio nos ossos.
— Legal. Isso significa que você é forte.
— Gostei da analogia, mas na prática, é diferente. Não posso nem pegar friagem, como diz minha mãe.
— Então devíamos ir pra dentro. Está bastante úmido aqui.
Entramos na casa de Mara pela porta da cozinha e fomos para a sala, que era menor e mais reservada. Loth se sentou no sofá. Antes de me juntar a ele, passei pela sabatina de Mara, oculta atrás da geladeira enorme que ela tinha comprado poucos dias antes.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Temporais
RomanceAlguns personagens dessa história aparecem em "Depois da Tempestade", mas não se trata de uma continuação. Não é preciso ler Depois da Tempestade antes. Quem leu, pode se lembrar de alguns spoilers. Sinopse Dois mundos opostos se encontram no fina...