Capítulo Final

142 16 39
                                    


— A Casa do Amor te deu sorte? — quis saber a minha vizinha, a que tinha guardado os tijolos da antiga capela de Santo Antônio para reconstruí-la um dia. — Você tá se mudando com um rapaz...

— Não sei se foi sorte. Na verdade, foi um conjunto de azares que me fez ficar mais perto de uma pessoa que eu já conhecia. A gente sempre se gostou.

— Então foi o destino que voltou a unir vocês dois. Você não acredita, mas não pode negar que ele fez o seu trabalho.

— A senhora tem razão. — Ela tinha razão em dizer que eu não acreditava, mas eu não disse isso. Às vezes a gente precisa de um pouco de ilusão, de fé, de esperança no desconhecido. Eu estava deixando a "casa do amor" principalmente porque eu estava vivendo um amor. Mais um caso de sucesso do imóvel, se alguém quisesse relatar.

Olhando a casa de fora, eu me sentia feliz. Ela era boa, de alto padrão. Eu a tinha procurado por meses. Se a sorte existia mesmo, estava na hora de dar oportunidade a outra pessoa. Tinha muitos interessados.

֍֍֍

Jonathan finalmente começou sua residência médica; naquele hospital de ricos por falta de opção. Na verdade, o sonho dele para depois de formado era o pronto-atendimento, na emergência do maior hospital público do estado. Um sonho que eu achava bonito e que a família dele entendia como um capricho, já que ele não precisava do dinheiro. Mas era algo que ele tinha pensado desde a adolescência, que ele tinha como um objetivo de vida. Um sonho que não podia ser abandonado depois de tantos anos.

O tempo dele passou a ser dividido entre o hospital e a fazenda, duas coisas que ele gostava muito. Com os rendimentos da fazenda, ele bancou o funcionamento do consultório médico no projeto social do meu antigo bairro para que ele não parasse durante a troca da administração municipal.

Quanto a mim, desisti de procurar outro lugar pra morar. Jonathan me convencia a todo momento de que não fazia sentido ficarmos separados se cada folha que caía lá fora contribuía para que ficássemos juntos. Em vão, eu tentava explicar que o Senhor Destino não era responsável pelo Jack querer aumentar o valor do aluguel ou por eu estar cansado demais para procurar outro imóvel, mas essa voz dentro de mim foi se calando.

Arrumei cada uma das minhas coisinhas na casa de Jonathan, e nada pareceu sobrando ou deslocado. Ao contrário, preencheu espaços vazios e deu novos ares aos ambientes, agora familiares. Mudamos a decoração do quarto principal e instalamos lâmpadas nas salas. E nós dois ficamos felizes.

Como "casal" morando juntos, algo inédito na minha vida, as coisas eram bem diferentes do que eu tinha imaginado. Nem melhor nem pior, apenas... diferentes. Nós não dividíamos contas e tarefas porque o funcionamento básico da casa era todo programado, inclusive as compras e a limpeza. Era como uma engrenagem perfeita; fora os meus suplementos que, obviamente, não eram encontrados na despensa, no máximo eu tinha que substituir alguma torneira.

A sensação de ociosidade doméstica passou depois de alguns dias. Desistindo de tentar entender, eu me adaptei ao novo cenário. Brincava com Jonathan dizendo que alguém tinha deixado crianças sozinhas em casa e cuidado para que não passassem necessidades.

Jonathan seguia uma rotina quase religiosa para realizar as tarefas que a empregada não fazia, como limpar as calhas e a piscina. Eram responsabilidades dele sabe-se lá desde quando, e ele fazia isso nas manhãs de domingo, antes de eu me levantar da cama. Eu só cozinhava e lavava louças à noite, se Jonathan já não tivesse feito isso; no mais, eu só tinha meus itens pessoais para dar conta. Matava a saudade dos tempos em que eu não era responsável por gerir uma casa e ainda me sentia parte dela, sem parecer que estava num hotel ou na casa de um amigo.

TemporaisOnde histórias criam vida. Descubra agora