Capítulo XXIV: O memorial dos falecidos

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Samuel

Havia uma coisa em funerais que era impossível de se esquecer. E eu fazia o máximo para me manter longe deles depois do que tinha acontecido a nossa mãe. Mas não tinha como educadamente fugir disso.

A sensação de pentear o cabelo e pôr o terno e acertar a gravata dava um nó no meu estomago. E eu só queria ficar em silêncio, igual a maioria. Mas nem todos lidavam com o luto da mesma forma, outros precisavam falar. Pôr para fora. E você colocava, até perceber que isso também não tampava o buraco deixado pela dor de perder alguém.

Então você fica em silêncio de novo, só em silêncio. Fala quando falam com você. Lembra dos momentos felizes que passou com a pessoa, e quando não tem nenhum você sorri sempre que alguém fala algo bom sobre ela. Você nunca discorda, mesmo que saiba que é mentira. Pois é um funeral, você não está ali para lembrar alguns erros de alguém, você está ali para tentar dar um encerramento final para alma daquela pessoa. Ou qualquer coisa entre isso e aquilo que você acredite.

Mas entre estar do lado que sofre pela perda ou no lado que somente entende a perda, eu vou sempre preferir a segunda opção.

Lamentar a perda da Demetria era estranho, mas quando se ama a pessoa verdadeiramente você não só lamenta, algo seu vai embora junto. Pois foi assim que sentimos quando a mamãe morreu. Nós três. Especialmente nosso pai.

– Que horas mesmo?

Sébastien perguntou terminando de arrumar sua gravata borboleta. Ele havia pensado em tirá-la e por uma gravata normal, mas eu o lembrei que estamos em um lugar onde celebramos as diferenças e fomos escolhidos por elas. E se esse era o detalhe que o fazia assim e ele deveria deixá-lo. Por outro lado, eu me pegava pensando as vezes, que se fossemos iguais a todo mundo estaríamos em um lugar menos complicado.

– Dez da manhã, o funeral é daqui a pouco.

Respondi terminando de arrumar meu cabelo e a manga do terno.

Vovó havia dito que eu iria precisar de um desses para alguma ocasião formal, será que ela havia pressentido que eu também precisaria deles para isso?

– Lexa?

Perguntou, não sabíamos exatamente sobre o que conversar.

– Está terminando de trançar o cabelo, ela vai nos encontrar lá. Mas você tem certeza que vai, Bash?

Perguntei preocupado. Não havíamos conversado ainda sobre o que tinha ocorrido na boate. Não só a morte, mas o que ela causou a ele.

– Fui o último a estar com ela, eu tenho que ir.

Respondeu, pondo uma responsabilidade sobre si que não deveria.

– Você a sentiu morrer Sébastien, ninguém vai se importar se você não for.

– Você também sentiu.

E isso era verdade. Sabia que Sébastien era capaz de sentir a dor dos outros, mas ele já havia dito também que conseguia, na maior parte do tempo, separar a dor que era dele com a que não era. Entretanto com a morte de Demetria, e até mesmo de seu amigo, Cato, tudo mudava. Não era só a dor que viajava da pessoa até sua mente, era muito mais, o pavor, o sentimento de medo inimaginável e tudo que vinha junto.

E eu senti tudo quando o toquei. De Demetria a Sébastien, de Sébastien para mim, foi como um correio sem fio de tortura.

– Mas eu estou bem e ninguém sabe que eu senti, só que desmaiei. Mas e você, está bem?

– Não foi a primeira vez. Eu vou ficar bem.

Mentiu, tentando parecer forte, eu não sabia por quê.

Bruxos&Demônios, vol. I - Fumaça&CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora