° BARGANHA COM A MORTE °

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Hámmon

De todos os lugares do universo aquela fêmea foi parar justamente em Heneida?
Parecia uma brincadeira de extremo mau gosto.
O que me deixou um pouco mais aliviado foi o fato de ter sido comunicado que a devolveriam para mim.
Tyrus não aprovava nossos métodos de concepção e conforme ele mesmo dissera durante a assinatura do tratado, seu planeta era terreno proibido para colheita de fêmeas.
Ele achava abominável a ideia de fazer fêmeas de cobaia para procriação.

Sabendo de sua força, confesso que ainda tentei negociar isso, seria muito vantajoso para mim, mas diante da ameaça de guerra, recuei. Por conta do pacto, nossas fronteiras eram abertas um ao outro e frequentemente negociantes de Heneida pousavam aqui e foi numa dessas que aquela híbrida escapou.
Fiquei descontrolado com a notícia e a atitude do meu irmão não estava ajudando em nada.

- Maldição, Hámmon! Isso não vai acabar bem...

- É um risco! Mas se o regente mandou informar que nos enviará a fêmea é porque não desconfia de nada. - Tento tranquilizá-lo quando nem mesmo eu estou tão certo disso.

- Vais acabar nos matando! Espero que essa fêmea valha o risco!- ele diz com um sorriso debochado.

Mais pro fim do dia, eu descobriria que as coisas ainda podiam piorar, e muito. Nunca passou pela minha cabeça que eu me depararia com o regente em pessoa no novo canal de comunicação que fora aberto conosco. Ali eu já fiquei ciente de que algo havia mudado e tratei de disfarçar minha surpresa.
E como desconfiei, Tyrus havia descoberto que a fêmea era sua descendente e não foi difícil concluir que diante disso, ele não a entregaria para mim.

Eu me recusava a perder o controle da situação assim tão rápido e se de início tratei as coisas como se negociasse o retorno de uma escrava, o método agora deveria ser mais eficaz.

- A fêmea tornou-se minha imperatriz, acaso isto não me dá o direito de reclamar poder sobre ela também? - digo com a maior naturalidade do mundo e posso ver pelo semblante sombrio do macho à minha frente que minhas palavras surtiram efeito.

- Se o que diz é verdade, não negarei o seu direito, porém, já não cabe a mim dar o veredito e sim a minha neta. Ela decidirá!- ele diz e após breve saudação, desliga o contato.

Tenho que admitir, o regente é duro na queda e excelente estrategista. E aposto que, nesse momento, ele adoraria me matar.
Hórus, que assistia a conversa em silêncio teve um surto assim que a comunicação foi encerrada.

- Acaso enlouqueceu de vez? Quer mesmo começar uma guerra por puro capricho? ACABOU! ENTENDA, SEU BASTARDO!

- Pondere suas palavras, irmão!

- Quem deve ponderar as palavras aqui és tu! O regente não é um aliado comum, é nosso principal fornecedor bélico e considerando que ganhemos uma guerra contra ele, metade de Alzihah pereceria.

- Acalme-se! Tyrus está de mãos atadas e não poderá fazer nada contra nós. A aliança não foi violada.

- Sim, mas não há como trazer a princesa híbrida de volta. Acha mesmo que ela decidirá retornar de bom grado?

- Estou certo de que a convencerei...

- HÁMMON?- ele praticamente grita comigo- Se tu não fosses o imperador, eu já teria te dado uns sôcos.

- Tente a sorte!- o desafio, mesmo sabendo que ele está por um fio.

Hórus

Estou começando a achar que meu irmão enlouqueceu. Não é possível que uma pequena fêmea híbrida tenha aquele poder todo sobre um macho tão poderoso quanto ele. Nos meus mil anos de vida jamais o tinha visto tão fora de si e depois que ele despertou seu gene primitivo adormecido não tinha como prever seu temperamento.
Até onde eu sabia, machos vinculados eram extremamente instáveis em relação suas companheiras, justamente por isso esse genes era apagado geneticamente nos machos da nossa espécie.

Essa reação de proteção e posse em relação às fêmeas havia tornado nossos ancestrais manipuláveis pelo inimigo, por essa razão nossa sociedade mudou drasticamente. E o modo de concepção deixou de ser por contato íntimo para ser feito em laboratório, onde a cria macho já saia de lá sem o gene responsável pela vinculação.
Mas, pelo visto, isso falhou para meu irmão, porque o que eu via diante de mim era um macho ligado a uma fêmea que preferia pular da sacada para a morte do que ter contato com ele.

Não sou de ser pessimista, mas aquela híbrida jamais olharia para ele como seu macho, o que lhe dava bem poucas opções: ele teria de tirar a vida dela.
E esse era o problema.
Tyrus não facilitaria, ainda mais quando descobrisse sobre o vínculo.
Ao que parece, teremos um reino ameaçado por causa de uma pequena fêmea híbrida.
Eu riria da situação se não fosse tão ameaçadora.
Mas ver o poderoso Hámmon dobrado por uma criaturinha aparentemente inofensiva, quando nunca se dobrou a nenhum déspota ou exército, era no mínimo peculiar, para não dizer hilário.

Só que agora minha própria curiosidade estava atiçada em relação a essas fêmeas humanas. O que elas têm de tão especial?
Temos uma colônia humana aqui e que até então, ignorei totalmente.
Só que me decidi a ir lá. No início até pensei em reinvindicar a fêmea que o general Khalil mantinha como seu bichinho de estimação, mas se ele, assim como meu irmão, despertou por ela, eu estaria em sérios apuros se cometesse uma imprudência dessas.

Sou um diplomata, não consigo barganhar com a morte do mesmo modo que meu irmão está fazendo, porque Tyrus, certamente, era a personificação da morte.
Portanto, a colônia humana seria minha próxima parada.
O fato de jamais ter posto os pés ali, causou certo alvoroço e medo, até as crias humanas que brincavam no pátio central desapareceram rapidamente.
Ouvi portas batendo, como se isso fosse me impedir de todo modo.

Um macho aproximou-se de mim, acredito que fosse o líder da colônia.

- M-majestade?

O modo como gaguejou me fez perceber o quanto de medo lhe causava, mesmo eu estando sozinho. Só que havia algo mais ali, eu sentia uma movimentação estranha.

- Seu nome?

- Frederick!

- Frederick, o que tem para me contar?

Vi como ele estremeceu ante minha pergunta.

- Senhor, não foi nossa culpa... A abandonaram aqui...

Estreitei o olhar para o macho. Do que ele estava falando?
Eu não o estava acusando de nada, não exatamente.

- Abandonaram? Quem?

- Os Arturius deixaram uma fêmea aqui! Disseram que era amaldiçoada...

- Onde ela está?

É claro que não vim pela fêmea, mas agora fiquei curioso.
O que aqueles machos de quatro braços podem ter visto de tão estranho numa fêmea à ponto de abondoná-la? Eles não abriam mão de suas escravas sexuais por nada.

O franzino macho saiu quase aos tropeços e em poucos minutos, trazia uma fêmea consigo.
Estava diante de mim uma pequena criatura de pele numa tonalidade diferenciada dos demais colonos, parecia bronze, seus cabelos eram médios e com belíssimos cachos castanhos.
Ao olhar em seus olhos, percebi a razão de a terem abandonado; ela tinha uma iris na cor âmbar e outra azul.
Para aqueles machos, isso era sinal de maldição.
Que machos estúpidos!
A fêmea era perfeita!

Outro Mundo: Contos AlienígenasOnde histórias criam vida. Descubra agora