36 - Realmente não foi engano

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Clorofórmio

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Clorofórmio. Os caras usaram clorofórmio em mim. E eu só percebo agora, acordando e olhando um chão de concreto que eu não tenho a mínima ideia de onde é. Minha primeira ação é tentar levantar, e é ai que descubro da pior forma que não consigo apoiar minhas mãos no chão. Isso porque elas estão amarradas. Sim, meus pulsos estão grudados atrás do meu corpo e tem uma corda ao redor delas. Sinto-me tonto, mal consigo raciocinar.

— Põe ele sentado — alguém fala de algum lugar, porém no mesmo cômodo que eu, pela intensidade da voz.

Alguém segura-me pelos ombros e me faz sentar no chão. Minha cabeça dói, mas não deixo de olhar ao redor. Está escuro, mas a única iluminação vinda de uma lâmpada central me faz tirar conclusão de que talvez estejamos num galpão abandonado. Tento falar, mas, porra, tem uma fita isolante cobrindo minha boca. Meu coração gela e meu estômago embrulha por inteiro… Onde foi que me enfiei?

Tento levantar, me me puxam pela camisa e me fazem sentar de volta com toda a violência possível. Não sei nem onde está o sobretudo que eu estava usando.

— É melhor amarrar ele numa cadeira ou num lugar onde ele não possa sair do lugar — outra pessoa comenta, atrás de mim

Eu não sei onde estou. Não sei por quanto tempo fiquei desacordado. Só sei que me sinto extremamente desesperado. Não sei o que fazer, como escapar… não sei. Não sei. Olho ao redor e não vejo Ten. Eu não sei onde ele está. Acho que deve estar assustado, assim como eu, por estar preso também. Toda vez que tento levantar, alguém me puxa forte e minha coxa já deve estar roxa de tanto que estou sendo jogado ao chão.

— Porra, fica quieto! — alguém atrás de mim grita raivoso. — Fica quieto! — sou golpeado por um chute na lateral esquerda do abdômen, que me faz cair para o lado gemendo.

Aperto os olhos de dor. Poderia ter sido mais forte, então agradeço por não ter quebrado parte alguma de mim. Mas tenho certeza que isso vai me gerar uma bendita dor muscular.

— Não bate nele! — o homem sentado numa cadeira à minha frente reclama. — O Ten vai te matar se souber que bateu nele.

— E quem se importa? — o que me bateu responde. — Por que isso seria proibido?

— Taeyong é o queridinho dele agora — diz o que está na minha frente, inclusive cobre parte do rosto com uma bandana vermelha. — É melhor não bater. Põe ele sentado de novo.

— Inferno — o mais violento até agora me ajuda a ficar sentado de novo.

Eu engulo em seco, para enfim notar a minha visão embaçar pelas lágrimas. Tento falar, mas só saem gemidos. Eu odeio isso daqui. Odeio tudo. Estou com tanta raiva que tento soltar a corda nos meus pulsos, atrás do meu corpo. Não consigo e isso só faz com que minha pele fique ardendo. Se já não bastasse isso, também tem o fato de que essa merda de lugar é cheio de poeira e me faz querer espirrar. Como vou espirrar com a boca coberta? É horrível! Sai pelo nariz e mesmo assim me contorço e engasgo. Estou com sede, estou assustado, estou com fome. Cadê Ten? A gente prometeu comer juntos no hotel também.

Por que disseram que eu era queridinho do Ten e não podia apanhar? O que está acontecendo? Eu estou tão desesperado, tão nervoso. Eu não sei o que fazer… Não consigo enxergar nada… é choro, é espirro, é medo de alguém me fazer alguma maldade… algo pior que isso. Eu não sei o que fazer.

— Já entramos em contato com a família dele — do nada, a voz do Johnny chama minha atenção.

Pisco os olhos para limpar as lágrimas e conseguir enxergar. Ele está entrando no cômodo com o celular em mãos. Atrás dele, quietinho vem Ten. Isso mesmo. Ten. Meu Ten. Não está amarrado, não está com a boca coberta, não tem ninguém chutando ele. Ele está sério, nem olha para mim.

— Ei, Johnny… — uma voz familiar vem surgindo atrás dele. — Você falou com o pai dele? O pai tem mais dinheiro, eu te mandei o contato — assim que entra no cômodo também, eu perco tudo, todo o meu chão, meu céu, tudo na minha vida é perdido.

É Jaehyun. É Jaehyun aqui. Jaehyun com o celular na mão, olhando para a tela, parado ao lado de Ten, que também nem está olhando para mim. Jaehyun. Meu melhor amigo de infância, adolescência e de vida. Meu melhor amigo aqui, ao lado das pessoas que eu não entendo o porquê de estarem fazendo isso comigo.

— Foi ele mesmo — Johnny responde, então conserta o boné preto na cabeça. Ele não está com máscara, mesmo assim seu rosto é difícil de ver por conta do boné e a luminosidade precária.

— Ah, ok — Jaehyun diz. E então, ergue o olhar e me encara. — Droga, ele acordou?

Meus olhos embaçam pelas lágrimas outra vez, eu nem sei o que pensar.

— Era para ter me avisado que ele tinha acordado — Jaehyun ainda diz, e sua movimentação me faz pensar que esteja nervoso com o fato de eu tê-lo visto.

— Ia fazer que diferença? — finalmente Ten diz algo, mas sua voz está diferente, trêmula, instável. — Ele iria te ver em algum momento ou descobrir de qualquer jeito.

— Mesmo assim — Jaehyun ainda fala, depois solta um suspiro. — Ele comeu?

— Ele só lanchou mais cedo, mas não jantou. Não deu tempo — Ten responde, levando mais tempo para falar do que normalmente. Hesitante. Está hesitante.

— Tá — Jaehyun volta a dizer. Eu pisco algumas vezes para enxergar melhor. Sua movimentação agora é para se aproximar de mim, tanto que se agacha ao meu lado e olha nos olhos. Ele me olha nos olhos ainda! — Taeyong, oi… olha, não fica desesperado, ok? A gente nem ia fazer isso, mas tivemos que impedir que você fugisse. Você entende, né?

Sei que meus olhos estão arregalados agora. Sei que minha expressão é uma mistura de dor e raiva. Mas é que eu não sei, não sei como é que eu posso entender o fato do meu único melhor amigo ter me sequestrado e me prendido no quinto dos infernos e agora está ligando para o meu pai. Meu pai nem aqui está! Meu pai está na Europa com mamãe, provavelmente assistindo algum evento de moda que ela o obrigou a ir.

— A gente nem vai fazer nada em você. Não é, pessoal? — olha ao redor, alguns dos caras até concordam com a cabeça. — É só você se comportar bem e nada acontece. Vamos resolver algumas questões e logo logo você será solto. Eu te prometo.

Antes de se levantar, bagunça meu cabelo como se estivesse sendo carinhoso. Como se estivesse me dando um pirulito após me jogar aos lobos. Como se fosse uma mãe que beijasse o filho após espancá-lo com o discurso de que está educando. Minha primeira vontade é de vomitar, mas não tenho o que vomitar e, ainda que tivesse, provavelmente eu morreria engasgado com o meu próprio vômito. E essa ideia em si me deixa enjoado, cansado, eu quero fugir daqui.

Levanto-me de novo, dessa vez com o intuito de correr para a porta. Não consigo. Agarram minha gola da camisa e puxam com força para baixo. O baque do meu corpo no chão ressoa pelo ambiente. Minha boca está seca, férrea, eu estou sentindo dor nas coxas e na bunda. Minha garganta também dói, o pomo de adão, porque a gola pressionou. Agora não sei mais o que fazer. Levanto o olhar e Ten me olha. Agora ele me olha. Está com os braços cruzados, o rosto pálido, parece até estar mais amedrontado que eu. Mas está ao lado do inimigo, olhando para mim.

Jaehyun se levanta e passa direto por ele. Toca em seu ombro e diz “valeu” antes de continuar andando.

Então agora… sim, agora tudo faz sentido! Ten e Jaehyun. Jaehyun e Ten. Jaehyun, Ten e Johnny. Realmente, Ten. Realmente, Ten. Não foi engando. Desde o início. Desde o fucking início nada foi engano. Eu sabia que tinha algo de errado em Ten ser meu motorista. Ele é totalmente diferente de tudo que eu tive contato na minha vida. Tudo. Tudo nele é diferente. E está aí o porquê: ele não deveria estar na minha vida, mas ele foi posto por um motivo. E o motivo é esse daqui. O motivo está encrustado no peso da mão de Jaehyun em seu ombro e no “valeu” dito.

Não, não houve engano algum. E isso me faz chorar como nunca antes chorei em toda a minha vida.

CRAZY TAXI (BY MISTAKE) ✘ tae.tenOnde histórias criam vida. Descubra agora