Capítulo 26

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O BONECO DE NADADOR


Nathaniel


Se o que Lucas acabou de me contar fosse verdade, esclareceria o meio milhão de dúvidas que eu carregava. Apesar de ser uma história fascinante e várias partes dela fazerem sentido para mim, por que eu confiaria nele? Se suas intenções guardassem algum intuito bondoso, eu não continuaria desgraçadamente preso no Coemeterium. E ele, meu mentor, não me deixaria sozinho com a promessa que soou como uma ameaça de voltar logo.

Chutei uma pedra na beira da praia. Cada terminal nervoso de meu corpo ansiava por Liza. Por seu cheiro, por suas íris de mel, me fitando brilhantes.

Há quanto tempo estou aqui? Nem isso eu sei.

Obviamente, eu alimentava o desejo de conhecer as respostas para perguntas que eu nunca manifestei em voz alta. Por que consigo viajar através do pensamento? Como os animais seguem comandos de minha mente? Só sou visto quando desejo e posso penetrar nos anseios e temores das pessoas. Compartilho de seus sentimentos no momento em que estou próximo. Além de ouvir o canto da natureza, como vozes sussurradas me desejando boas — vindas, possuo o poder de tranquilizar qualquer aflição com apenas um toque.

Lembro-me de quando descobri que era capaz de apenas ser visto se o desejasse. Eu tinha 4 anos e mesmo sendo muito jovem, a memória era vívida. Foi no dia em que um homem, se passou por um amigo de minha mãe no orfanato. Uma visita mal intencionada. Recordo que brincava em meu dormitório com meu boneco de roupa de mergulho. O único brinquedo que eu possuía. Um dos meninos mais velhos entrou, e me encolhi assustado. Ele não deveria estar ali, e era muito maior do que eu. O grandalhão me olhou de cima com um sorriso debochado. Percebeu que além de temê-lo, eu estava sozinho. Foi no intervalo do almoço. Eu gostava de brincar ali, longe de todos. Os outros me chamavam de aberração quando me viam conversar com as plantas e os pássaros no pátio.

— Me dê o boneco! — ordenou ele com a mão estendida.

— Não! — respondi com a voz fraca, escondendo-o atrás de mim.

O grandalhão tomou o boneco de mim à força.


— Se você o quer de volta, vai roubar os doces que a irmã Daiana esconde para distribuir nas premiações. Eu sei onde ela guarda. Anda!

Obediente, segui-o pelas escadas até chegar ao dormitório das freiras. Naquele horário, o cômodo se encontrava vazio. Parei vacilante na porta.

— Anda! Tá esperando o quê? Vai! Eu vigio os corredores.

— Não posso. É proibido! Elas não vão gostar nada disso.

— Mas ninguém vai saber! Você quer ou não quer o boneco de volta?

Suspirei e empurrei a porta velha de madeira, fui até a mala que o grandalhão me indicou. O zíper emperrou. A um instante de desistir, uma mão pesou em meus ombros. O zelador. O grandalhão cínico sorriu satisfeito da porta. Havia me dedurado.

Ele saltitou ao lado do zelador enquanto percorríamos o caminho até a sala do reitor.

— E agora? Ele ficará de castigo? Por quanto tempo? Vocês vão trancá-lo na solitária? Ouvi dizer que temos uma dessas por aqui, é verdade?

— Quieto garoto! Se você não voltar para o seu andar, vai junto dele! — esbravejou o zelador rabugento.

Observei o grandalhão se distanciar, levando meu boneco consigo. Respirei aliviado, mas amedrontado, ao ver irmã Daiana sair pela porta do reitor. Ouvi o zelador explicar a história a ela. 

O Penhasco - Livro 1 - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora