HIPNOTIZANTE
Liza
Passei alguns minutos tentando me convencer: “Não foi real, Liza, não foi real.”
Repeti diversas vezes durante a noite.
Se tudo não passava de um sonho, eu não queria mais acordar.
Estava dividida entre a sensação e a razão. Uma me seduzia com o melhor sentimento que já tive. A outra me forçava a aceitar o que eu já conhecia, me obrigava a retornar para o mundo concreto. Mas eu não queria voltar. Apesar de não saber como fui parar ali, àquela altura, pouco me importei como isso ocorreria.
No momento em que o vi, fui dominada por uma estranha certeza: tudo o que eu sabia sobre mim e conhecia do mundo à minha volta não se aproximava de um terço da verdade. Percebi, tardiamente, que daquele momento em diante, estaríamos condenados.
As coisas aconteceram em questão de minutos e minha vida virou de cabeça para baixo. Eu só me dei conta de que meus pais ainda não haviam retornado do mecânico ao ver os primeiros raios de sol entrarem pelas frestas das cortinas. Sentei-me na cama, ligeiramente desnorteada, e abafei um grito quando o vi ali. O homem do Penhasco me observava parado ao lado da TV. Seu olhar esmeralda estava sério, me causou calafrios. Mas antes que eu pudesse falar alguma coisa, ele desapareceu. — Não! — gritei para o quarto de hotel.
Vazio.
Como ele consegue desaparecer assim? Esfreguei os olhos e observei a cama de casal. Intocada. Onde estão meus pais?
Por um momento esqueci que Raquel dormia na cama de solteiro ao meu lado. Minha irmã continuou em sono profundo quando levantei e me esgueirei pelo quarto. Precisava ligar, com urgência, para o celular da minha mãe.
Uma calmaria estranha pairava no ar, entrava com as lufadas de vento pela cortina. O costumeiro arrepio gelou meu sangue, e isso geralmente acontecia antes dos problemas aparecerem.
Meus ombros enrijeceram quando olhei, de verdade, para aquele quarto de hotel. Vi as malas reviradas, vi as roupas jogadas no chão, formando um caminho até a porta. Era o cenário de um arrombamento, mas nada parecia ter desaparecido. Além, é claro, dos meus pais.
Calma! Deve haver alguma explicação.
Respirei fundo.
Será que alguém entrou aqui sem que eu ouvisse nada? Afinal, o meu sono sempre foi tão leve.
“Seja honesta consigo mesma, Liza”, disse meu consciente com desdém. “Você estava muito entretida com seu sonho.”
Verdade, admiti.
Em meio a toda essa tensão desejei, intimamente, voltar para o sonho. Para ele... Olhos verdes e sedutores... Atraiam-me para um Penhasco deslumbrante.
Ao desviar-me de uma bolsa caída, encontrei um papel rasgado, jogado sobre uma das malas. Apesar do garrancho, reconheci a letra da minha mãe:
“Liza, algo aconteceu... Saiam desse hotel, mas não voltem para casa. Não procurem por nós. Amamos vocês. Tel: 323 674 -3432.”
Liguei imediatamente para o número no papel. Uma voz masculina atendeu:
— Delegado Machado.
***
O homem do Penhasco
Eu a observava de perto, precisamente, ao seu lado na cama. Não era a primeira vez que o fazia. Muito menos, seria a última.
Às vezes ela suspeitava da minha presença, me procurava por todos os lados, chegava até a olhar atrás da cortina.
Eu gostava de vê-la, inspirando o ar com força, algo que ela sempre fazia quando eu deixava o recinto. Ela parecia gostar do meu cheiro, mesmo não sabendo a quem pertencia.
Ainda não havia acontecido o esperado, mas seria nessa noite.
O oposto da tormenta sempre pairava no ar antes das sombras chegarem. Eu já sentia a aproximação do fim. Podia sentir a calma criando um momento sereno, antecipando a tragédia. Algumas vezes as sombras se manifestavam sutilmente, como um sussurro no vento, em outras, eram violentas, bruscas. Depois que desapareciam, deixavam no ar aquele vestígio para nos reafirmar que o que foi não volta. Costumava ser um vislumbre de vida que pairava por alguns segundos, até desaparecer por completo.
Observei a garota mais nova, Ela se aconchegou no colchão e, em poucos minutos, adormeceu. Já a que estava sob o meu olhar vigilante deitou-se para dormir e repetiu diversas vezes o movimento de inspirar e expirar o ar com força. Pressentia o que se aproximava. Respirava pesadamente, com o peito inflando e esvaziando. Sua intuição era aflorada, e a calma, pesando o ar ao seu redor, a assustava. Ela olhou algumas vezes para o relógio de pulso e sacudiu a cabeça. Lutava para afastar seus próprios pensamentos, que eu sentia, densos de preocupação. Demorou algum tempo para que sossegasse até que ajeitou o travesseiro e, após uma longa pausa, relaxou e adormeceu.
Agora, tinha a expressão serena, despreocupada. Mal sabia o que a aguardava naquela noite. Mal imaginava o que a manhã seguinte lhe traria. Faltava pouco. Para mim, seria em um piscar de olhos. Para ela, algumas horas.
Deixei o quarto e fui até o Penhasco, como havia planejado. Retornei após um breve tempo.
Contornei o rosto dela suavemente com o indicador. Era a minha despedida. Ela murmurou de leve, prestes a despertar. Antes que abrisse os olhos, me afastei. Caminhei a passos lentos até a televisão. E ela me viu.
Eu não podia ficar, nem devia estar ali.
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Oláá, espero que esteja gostando. Deixei esse recadinho só pra avisar que "A Sombra", um livro com uma história extra do Penhasco, já está disponível aqui no Wattpad.
Quem quiser, é só adicionar na biblioteca.
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O Penhasco - Livro 1 - Completo
FantasiaSinopse: "Teria sido uma noite como qualquer outra, se ele não tivesse aparecido. E se eu não estivesse completamente sozinha. Com um estranho em um Penhasco e sem lembrar de como fui parar ali. Me assustei quando ele se materializou à minha frente...