VIRTUDE
Nathaniel
Arrastei-me até o corredor usando todos os resquícios de força em meu corpo. Do chão, estiquei minha mão e me concentrei o máximo que eu pude na maçaneta, funcionou. A porta se abriu. Só havia uma coisa capaz de quebrar tal magia, um ato voluntário de bondade, vindo de um ser inocente.
Isso pode levar a noite inteira.
Respirei com força. Tentei clarear minha mente das dores. Só assim poderia sentir Liza. Conectei-me a ela por instantes e vi que estava bem, por enquanto.
Escutei um barulho que me lembrou o quicar de uma bola. Alguém estava por perto. Pensei em fazer a bola entrar na casa, desse modo, seu dono viria buscá-la e me veria ali. Intensifiquei meus esforços como nunca fiz antes. Mas a cada segundo eu enfraquecia. Minha vista ameaçava escurecer apesar do meu esforço. Minha cabeça pesou e a descansei no chão.
Uma luz forte ardeu meus olhos. Ergui a cabeça e vi um círculo dourado no horizonte, piscando em minha direção. Chegava perto, cada vez mais perto. O círculo se aproximou ao ponto da sala escura se iluminar fortemente por um instante, escurecendo em seguida.
Rolei o corpo de barriga para cima. Começava a doer para respirar. Como se Olaf tivesse quebrado minhas costelas. Um menino ainda de chupeta, se inclinou e me olhou com o azul mais triste que eu já vi. Um olhar adulto. Segurava uma bola debaixo do braço. Ele se abaixou para ficar perto de meu rosto e passou a mão por minha cabeça, não se assustou com o meu estado. Fui tocado por suas emoções cristalinas. Uma nuvem curativa se espalhou por mim como um bálsamo.
Então aquilo era uma Virtude. Somente ali acreditei em sua existência. Sem esperar para conferir o resultado, ele se levantou e saiu pela porta quicando a bola.
As dores começaram a se atenuar. Eu me curava pouco a pouco.
Seria uma questão de minutos até poder me encontrar com Liza. Desci as pálpebras e respirei fundo. Se não me libertasse da angústia que me sufocava, poderia levar muito mais tempo. Vi o que acontecia à Liza naquele mesmo instante. E nunca senti tanto medo na minha vida.
***
Liza
O garçom que veio até mim, parecia possuído.
— Srta. Liza?
— Sim?
— Trago uma mensagem. — Ele gesticulou e me entregou um pedaço de papel enrolado como pergaminho. Agia como se fosse mensageiro da corte.
Terminei a leitura e levantei abruptamente. Ben e Amanda cruzavam o ginásio. Aproximavam-se de mim.
— Por favor, diga aos dois que já volto — pedi ao garçom. Ele assentiu.
Corri para a porta, ouvi Amanda gritar meu nome. Mas eu não voltaria, não podia olhar para trás. Tinha que sair dali.
Dizia a mensagem:
"Se deseja ver sua irmã mais uma vez, me encontre no Jardim dos Anjos."
O pânico se instaurou em mim como uma praga, tão rápido que não tive tempo de raciocinar. Endurecia minhas veias como metal derretido. Apesar de não fazer a menor ideia do que me aguardava, não podia perder tempo tentando descobrir.
Jardim dos Anjos foi o nome dado ao cemitério da cidade em homenagem ao casal de irmãos ali sepultados. Um século antes, ambos morreram afogados no lago Nayuko, em Epifania. Lago famoso por ser raso, mas apesar disso, nenhum dos corpos jamais foi encontrado.
Corri ensandecida até a porta do ginásio. A voz da cartomante ameaçava me deixar surda. Gritava nos meus ouvidos:
"Ele ameaçará algo importante para lhe atrair. Fuja! O caminho que jaz a sua frente é longo. Pois não se pode matar o que não vive."
Absorta, bati com muita força em alguma coisa. Quando vi o que era, não soube se sentia alívio ou se duplicava meu desespero.
***
Delegado Machado
Congelado na entrada do ginásio, seus pés recusavam a se mover, pesavam como âncoras. Como o covarde que só ele poderia ser, quis que a viagem tivesse sido mais longa, queria ter perdido a cerimônia, a festa. Chegou a tempo de querer voltar.
Observou os adolescentes. Por que os jovens tinham a maldita mania de se amontoar?
Estava tão estagnado que não sentiu a pancada em seu ombro. Se não fosse pelo resmungo, sequer a teria visto, caída ao seu lado.
— Srta. Liza?
— Delegado Machado? — Ela o fitou confusa. Claramente preocupada, não o olhava nos olhos. Olhava para os lados, em busca de uma rota de fuga, pronta para continuar a correr.
— O que está acontecendo? — Ele foi direto ao assunto quando a ajudou a se levantar. A tática geralmente funcionava.
— Eu... eu... preciso ir — ela gaguejou.
— Tudo bem. Vamos! — Ele a segurou pelo braço e se encaminhou para a saída, mas ela não o seguiu. Liza arregalou ainda mais os olhos.
— Está tudo sob controle. É algo que preciso fazer sozinha.
Ela refez a compostura e quase o teria convencido. Quase.
***
Amanda
Amanda vasculhou todo o ginásio. Liza havia corrido bem na hora em que um aglomerado de formandos fechou sua visão. Não viu para que lado ela tinha ido.
Ela e Ben rodaram todos os cantos daquela festa, até nos banheiros eles procuraram.
— Mas o que ela estaria fazendo no banheiro masculino? — Ben perguntou com ar de inocente, sem acreditar no que fazia.
— Não sei, olha você e me diz! — falou nervosa, ligando para Liza. — Lógico que você não vai atender o celular, né, Liza? Que mania irritante de achar que pode resolver tudo sozinha! — berrou para o aparelho na sua mão.
— Como você sabe que se trata de um problema, Amanda? — Ben saiu do banheiro.
— Lembra do pânico dela no dia daquela festa das Asas?
— O que tem?
— Hoje a expressão dela estava dez vezes pior!
— Cara, mas o que está acontecendo com a Liza? Cada hora é uma coisa!
— E adianta falar para você, Ben? Eu sinto meu sangue gelar toda vez que penso nisso. Aposto que é algo sobrenatural.
— Ah, lá vem você com essas crenças.
— Anda, a muvuca saiu da porta, acho que vamos conseguir passar agora.
Chegaram a tempo de vê-la saindo em um carro de polícia.
— Liza! — Amanda gritou inutilmente. — Que droga, Ben! Por que viemos de táxi logo hoje?!
— Porque eu queria beber.
Ela bufou em resposta.
— O quê? Agora a culpa é minha que ela fugiu de nós e não atende ao celular?
— Ah, esquece, Ben, eu estou nervosa. Vai ser impossível conseguir um táxi para tentar seguir o carro.
— Amanda, se ela entrou em uma viatura, você acha que um policial a deixaria exposta ao perigo? Relaxa, devem estar indo a alguma delegacia. Liza vai ficar bem.
Ele concluiu, esfregando a lateral dos braços em Amanda para acalmá-la. Amanda respirou fundo e tentou se convencer de que ele poderia estar certo.
Mas por que diabos ela abandonaria a festa para ir até uma delegacia?
_____________________________________________________________
Oláá, tem mais um a seguir!

VOCÊ ESTÁ LENDO
O Penhasco - Livro 1 - Completo
FantasySinopse: "Teria sido uma noite como qualquer outra, se ele não tivesse aparecido. E se eu não estivesse completamente sozinha. Com um estranho em um Penhasco e sem lembrar de como fui parar ali. Me assustei quando ele se materializou à minha frente...