RECIPIENTES VAZIOS
Emmanuel
O gosto na boca de Emmanuel era horrível. Pela fome maltratando o estômago dele, deveria estar há dias sem comer. Só se lembrava de estar deitado no sofá, assistindo ao noticiário maçante. Depois disso, nada. Sua companheira atual jazia no chão ao seu lado. Uma garrafa de vodka. Ele culpava a bebida pela falta de memória, não se importava. Era justamente isso o que queria. Esquecer.
Só que ultimamente, ou ele andava com muito azar, ou algo muito ruim lhe perseguia. A única coisa que conseguia pensar quando o efeito da bebida passava, era na próxima garrafa. Com exceção daquela voz que às vezes invadia a sua cabeça, chegava sem convite e controlava seus movimentos, ele preferiu abraçar a ideia de ter perdido o juízo, pois era mais fácil do que raciocinar sobre aquilo. E se a loucura chegasse, ele a aceitaria de braços abertos. Para ser sincero, ele ansiava por ela.
Sua última memória levava-o à sala de sua casa. Não era bem uma casa, era um quarto sujo, com um sofá pequeno de frente para uma televisão. O sofá, também servia de cama.
Há dois anos, era tudo diferente. Sua vida era de fato uma vida. Isadora, sua companheira, a pintava de diversas cores enquanto atravessavam seus dias. Estavam ambos aposentados, e por menor que fossem seus salários, não existiam dias nublados entre eles.
Levavam uma vida simples, sem extravagâncias. Ainda assim, ele sentia-se aproveitando ao máximo dela, considerava-se um sortudo. Seu filho, apesar de não saber muito dele, sempre foi um aluno de notas altas, e em breve, estaria cursando uma das melhores faculdades de direito do país. Com bolsa integral.
Mas esse foi outro Emmanuel. Um que não existia mais. Emmanuel tornou-se apenas uma alma presa na Terra contra a própria vontade. Pois queria partir, e se unir a Isadora.
Nunca existiu mulher igual aquela. Forte, corajosa, até mais do que ele, para dizer a verdade. Uma mulher capaz de conquistar o mundo. Mas foi o mundo que acabou a conquistando, levando-a bruscamente e injustamente para longe dele. Daria tudo para voltar no tempo e ir em seu lugar. Mas como sabia que isso não era possível, encontrou a bebida.
Ela foi muito útil a ele nesses anos, já que não passava de um covarde e inútil, até mesmo para tirar a própria vida.
Emmanuel achou que a loucura havia lhe encontrado na primeira vez que ouviu aquela voz, pois ela não vinha de lugar algum. Primeiro pensou que fosse um bandido, mas a razão apareceu, quando se deu conta de não possuir nada que alguém desejasse roubar. Além disso, ninguém teria motivo para matá-lo, seria muita sorte para um velho como ele.
Mas a voz que antes o rondava, agora parecia vir de dentro dele. Estava nele, seus ouvidos zumbiam e ele ouvia seu lamento, seu desprezo em sua mente. Tentou falar com ela, achou que a loucura finalmente havia chegado para lhe fazer companhia, mas tudo ficou negro. Viu nuvens à sua frente, depois não enxergou mais nada.
Em uma das vezes, acordou na porta de um orfanato com uma garrafa cheia de vodka em suas mãos. Tomou duas goladas e se levantou trôpego para andar de volta para casa. Não se deu ao trabalho de tentar descobrir o que aconteceu.
A perda de memória era um fator comum para alguém que bebia tanto quanto ele.
Algum tempo passou antes que a voz reaparecesse. Ele demorou um pouco para associá-la. Fazia muito tempo desde a última visita. Quando acordou, foi pior do que as outras vezes. Emmanuel estava preso, questionaram-no a respeito de um homem desaparecido. Havia o endereço de uma oficina que ao que lhe pareceu, foi ele quem informou. Mas ele não se lembrava de nada na época, e ainda não se recordava de nada agora. Sequer sabia como chegou a Los Angeles naquela noite, meses atrás.
Foi quase da mesma forma desta vez, mas ele não estava tão bêbado e conseguiu fazer a associação. A voz veio de novo. Ela chegava junto do seu sono, junto da sua embriaguez. Lembrava-o do som de uma cobra sibilando, mas a cobra chamava-o pelo nome. A voz ria, zombava dele. Imaginou que se uma cobra pudesse rir, esse seria o ruído.
Lembrava-se de abrir os olhos, e se ver sendo algemado por dirigir bêbado. Mas Emmanuel não tinha carro. E como poderia ter chegado a Los Angeles se era dia em Epifania quando estava no sofá, e ainda era dia agora, quando foi liberado?
Não era a loucura que o visitava. Era algo ruim, muito ruim. Algo que estava além de sua compreensão. Algo que só lhe trazia problemas.
E traria ainda, muito mais do que isso.
Mas ele não sabia. Ninguém sabia.
_______________________________________________________________________________________
E aí? Estão gostando? Já disse que amo comentários e estrelas? rs
Amanhã tem mais um!
bjos

VOCÊ ESTÁ LENDO
O Penhasco - Livro 1 - Completo
FantasySinopse: "Teria sido uma noite como qualquer outra, se ele não tivesse aparecido. E se eu não estivesse completamente sozinha. Com um estranho em um Penhasco e sem lembrar de como fui parar ali. Me assustei quando ele se materializou à minha frente...