O CASAMENTO
Liza
Nate e eu voltamos ensopados do Penhasco. Após nos enxugarmos, sentamos lado a lado na cama. Nate me confidenciou tudo o que Irmã Daiana disse a ele. Eu perdi a capacidade de falar.
A tensão, criada pela expectativa do que estava por vir, parecia tão real quanto o meu quarto. Eu jamais esqueceria a angústia em Nate quando me contou. Mas eu ainda não conseguia me ver como a Alma Dourada. Talvez eu não fosse.
Mas então, o que são essas sombras atrás de mim? Esse toque frio capaz de gelar minha alma? E a previsão da cartomante?
De um jeito ou de outro, cada amanhecer nos deixava mais próximos.
Os planos da alma negra poderiam estar em ação e não fazíamos nada, porque não havia nada que pudéssemos fazer. Ninguém a quem pedir ajuda. O Penhasco era o único vestígio dos anjos, e Nate, até onde sabíamos, o último na terra.
A única saída que eu vislumbrava seria o meu próprio sacrifício. Mas não sei se poderia causar essa dor a ele, não sei se seria de fato uma solução. Era muito estranho pensar sobre isso na ausência da ameaça física. Eu me sentia tateando no breu.
O diário da minha mãe, por outro lado, me revelou muito mais, e era incontestável. Pois foi escrito com suas próprias palavras. Procurei angustiada pelo livro em meu quarto, mas não o encontrei. No susto que levei ao ver Nate desmaiado, provavelmente o esqueci no Penhasco. E ele parecia apreensivo demais. Eu não queria aumentar ainda mais o sofrimento dele. Não queria reforçar sua suspeita de que havia algo à meu respeito, algo responsável por atrair coisas ruins. Mas esse caso podia ser pior ainda. Recordo de minha mãe usar a palavra doença em seu desabafo naquelas páginas, que rapidamente se tornaram meu pior tormento.
Meus órgãos se remexeram aflitos ao lembrar do diário. Eu precisava urgentemente lê-lo inteiro, mas esperaria até estar sozinha no Penhasco. Contaria para Nate quando essa nuvem negra se dissipasse.
Infelizmente, dormir foi inevitável. Assim, mais uma noite da minha contagem do tempo passou. Ao acordar, desci para tomar café da manhã com Ben e Amanda, Nate preferiu ficar sozinho em meu quarto.
Os dois conversavam animadamente, finalmente haviam dado uma trégua com as implicâncias. Segurei minha xícara com as duas mãos e os observei em silêncio. Alheios a tudo o que acontecia, inocentes. E deveriam permanecer, assim. Preservados.
Quem diria, eu, a paranoica, a responsável, reagindo dessa maneira. Talvez a mera presença de Nate me mantivesse sã.
Concluí que minha calma não duraria muito tempo quando Raquel entrou assobiando na cozinha. Ben e Amanda a olharam friamente e ignoraram seu bom humor inabitual. Eu, por outro lado, a observei. Meu alerta acendeu automaticamente.
Raquel abriu a geladeira e ficou parada com a porta aberta, pensativa, como se escolhesse algo para comer, até se virar de supetão e anunciar:
— Vou me casar!
Cuspi o café com leite que bebia na manga do terno de Ben.
— Não acredito nisso, Liza. Que saco, vou ter que mudar de roupa! Quanto a você, noivinha, quem é o louco? — Ele se levantou e fez cara de nojo para mim ao esfregar a mão na manga cuspida.
— Ah, cala a boca, Ben! — Raquel respondeu bem humorada.
Fiquei engasgada. Não sei como não havia notado antes. Ela usava o anel. O anel que Ethan me levou para ajudá-lo a escolher. O mesmo que eu desejei como se minha vida dependesse dele.
E como se tivesse acabado de dizer que iria comprar leite, Raquel passou a bolsa nos ombros e saiu. Não antes de deixar um envelope sobre a mesa, como se só o enunciado não bastasse. Segurei o papel imediatamente, ainda que com medo do que poderia encontrar. Imaginei um convite de casamento. Amanda me observava com expectativa. Surpreendi-me com um convite de formatura.
Seria uma cerimônia de colação, seguida de um baile de máscaras, na noite de Ano Novo. Uma data bem estranha para uma celebração dessas. Meu peito deu um salto desconfortável.
Num impulso de fúria, eu me levantei e a segui porta afora. Tremi com o vento frio, meus pés descalços congelaram na neve, mas eu não me importei. Precisava colocar aquilo para fora. Ela precisava saber o quanto me magoava ao agir daquela forma.
Raquel já havia sumido de vista. Corri como uma louca o mais rápido que pude e parei quando perdi o fôlego. A neve queimava meus pés e a dor começava a subir pelas panturrilhas. Agachei-me na calçada e solucei, abraçando meus joelhos.
Libertei todos os sentimentos que me sufocavam. Deixei-me sentir novamente a falta de meus pais. Chorei pelo medo de perder Nate, chorei por fracassar com Raquel, chorei pelo diário, chorei pelo que estava à minha espera. Uma luz dourada se postou sob a minha cabeça e iluminou a minha pele. Nate apareceu de repente e me envolveu em seus braços quentes, ali no sol, na neve.
Solucei quando a voz de Madame Nadja se repetiu em meus ouvidos:
"Na noite de Ano Novo, você receberá um convite."
"Não vá, Liza! Fuja!"
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Olááa, tem mais um a seguir!
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O Penhasco - Livro 1 - Completo
FantasySinopse: "Teria sido uma noite como qualquer outra, se ele não tivesse aparecido. E se eu não estivesse completamente sozinha. Com um estranho em um Penhasco e sem lembrar de como fui parar ali. Me assustei quando ele se materializou à minha frente...