Capítulo 60

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O LABIRINTO

Nathaniel

Eu tenho que ser rápido. Tenho que ser rápido!

Recitei esse mantra praticamente correndo pelos corredores de pedra do orfanato. Fui direto à sala do reitor.

O lugar estava deserto, reduzido a cinzas. Fedia a queimado.

Algo muito errado aconteceu ali.

O reitor se levantou ao me ver. Estranhei esse fato. Ele nunca foi tão educado, muito menos empático. Considerei a reação dele devido às circunstâncias, apertei a mão que ele oferecia e me sentei à sua frente.

— Nathaniel, gostaria de pedir desculpas por tê-lo comunicado por telefone, mas sei que Irmã Daiana, que Deus a tenha, era como uma mãe para você.

Acenei em resposta. Precisava ir direto ao assunto.

— Houve um incêndio na lavanderia. Irmã Daiana estava sozinha. A perícia informou que tudo foi muito rápido, quando os alarmes soaram, já não havia tempo para nada.

O tempo congelou alguns segundos antes que eu assimilasse o que ele me disse. O peso de suas palavras calou o mundo à minha volta. Lágrimas arderam em minha garganta como brasa. Imaginá-la sozinha, no fogo, fez meus ossos doerem. Pensei nos olhos dela. Azulados e doces. A cor que trouxe paz por tantas vezes em meus momentos de aflição. Pensei em sua voz serena. Em seu abraço confortador. Não havia palavra capaz de descrever o desespero que ameaçava me derrubar. Então era isso.

Do pó vieste e ao pó retornarás.

Minha mãe se foi para sempre. Minha mente batalhava para se convencer de que aquilo era mentira. Por um momento, quis apenas me encolher em algum lugar escondido do mundo e libertar aquela dor dilacerante, mas Liza estava sozinha. E hoje era a maldita noite de Ano Novo. Foi por ela, pela esperança de sobrevivermos a esse dia miserável e dormirmos juntos e a salvos no Penhasco, que consegui segurar minhas entranhas no lugar.

Engoli em seco e perguntei ao reitor quando seria o velório, ainda que simbólico.

— Sinto muito, Nathaniel, não pudemos esperar. Todas as freiras e os órfãos que sobreviveram viajaram hoje para um retiro. O orfanato precisará ser reconstruído.

— Obrigado. — Levantei-me com as pernas pesando uma tonelada. Quando apertei a mão dele, brumas negras tentaram se apoderar de meus pensamentos, tudo escureceu à minha frente. O aroma de sal, de terra, de orquídeas, impregnou meu nariz. E tudo o que vi de repente, foi solidão. Todas as poucas pessoas que eu conhecia estavam mortas e eu, sozinho na Terra. Os humanos restantes perambulavam com os olhos negros, possuídos enquanto eu carregava Liza em meus braços. Pálida, fria.

— Não! — gritei e as brumas se dispersaram.

O reitor sustentava um sorriso enquanto eu me afastava.

"Tem certeza de que já vai Nathaniel? Não quer ver mais nada?", cantarolou uma voz, soando como garra em meus ouvidos quando passei pelos corredores de pedra. Olhei para os lados, não havia ninguém. Apertei os passos para sair dali e estaquei próximo do pátio ao fitar uma silhueta recostada em uma das colunas de pedra, como se esperasse por mim. Aquela voz só poderia vir daquilo. Sua sombra na parede oposta projetava asas, três vezes o tamanho de um homem. Nunca vi nada semelhante. Aproximei-me lentamente.

— Quem é você? — a raiva faiscou em minha voz.

Encurtei a distância e não vi mais nada. De repente, não havia mais ninguém ali.

Será que vi mesmo alguma coisa?

Continuei o caminho. Circulei o chafariz do pátio até os grandes portões de ferro, onde encontrei um rastro. Somente almas deixavam aqueles vestígios. Mas duvidei que aquilo pertencesse a um espírito comum. Assemelhavam-se a fitas de seda negra, esvoaçavam no ar, se esticavam e repuxavam. Corri para alcançá-las. Talvez me dessem alguma resposta. Alcancei uma delas e a segurei.

O Penhasco - Livro 1 - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora