Capítulo 14

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INÉDITO

Liza

— Quer me matar do coração?! Atravessando a rua desse jeito?

No primeiro minuto, pensei estar ouvindo coisas. Tudo se moveu tão rapidamente. O carro desgovernado. Uma buzina estridente. Abri os olhos ainda desnorteada, um par de mãos tocou em meus ombros. Em seguida, duas esmeraldas me fitavam com o canto dos olhos enrugados pelo sorriso.

Nathaniel demonstrava ansiedade e nervosismo. Ele me levantou como se meu peso fosse de um saco de algodão e respirou com força. O som foi de alívio. Seus braços fortes e quentes me envolveram com seu cheiro inebriante, doce e masculino. Cheguei a cogitar o uso da palavra perfeiçãopara descrever esse momento. Mesmo que, no final das contas, fosse apenas um sonho.

Mas e se isso não for um sonho?

E se for mesmo real?

Significa que Nathaniel e o Penhasco são...

Deixei a frase inconclusa.

Milhares de perguntas me assolavam. Mas perto dele, eu nunca conseguia reuni-las para obter as respostas. Nosso tempo juntos normalmente se esvaia como água escorrendo pelas mãos. Sua voz interrompeu minha linha de raciocínio:

— Desculpe se atrapalhei — ele se afastou de mim, o mínimo possível, apenas para enxergar os meus olhos.

— Não se preocupe. Minha chefe me liberou mais cedo. Ela percebeu que eu pulava ao lado do relógio. — Eu não parava de sorrir. Nathaniel parecia aliviado em me ver. Porém, suas feições entristeceram com o que eu tinha acabado de falar.

— Você quase foi atropelada por minha causa. Foi por isso que atravessou tão distraída. — disse subitamente irritado.

— Não importa. Estou feliz de estar aqui! — Enterrei o meu rosto no pescoço dele, ele suspirou. Eu sentia pedras de gelo na barriga.

— Não vou mais perder o controle dessa maneira. Prometo. Você precisa estar segura, não posso deixar você assim, largada em um banco. Numa rua qualquer.

Eu pretendia mudar de assunto, mas pelo visto, ele já mantinha todo o autocontrole. Eu não sentia mais a urgência que ele me demonstrou segundos antes. Ignorei sua declaração, me aninhei mais no pescoço dele e o beijei atrás da orelha. Ele relaxou um pouco, me apertou com mais força, e sem dizer nada, me mandou de volta.

Bati com a cabeça no banco ao cair sentada no chão.

Esperei o dia inteiro e estraguei tudo! Por que eu fui deixar transparecer que foi por isso que corri para o outro lado da rua?

Tentei forçar a minha mente a voltar, mas sabia que meus esforços seriam inúteis. Nathaniel não permitiria. Sem alternativa, caminhei em passos lentos para casa.

Reparei que o sol brilhava no céu quando acordei no Penhasco, mas apesar dos poucos minutos que passei lá, quando voltei, já anoitecia.

Decidi que não tentaria entender isso agora. Eu precisava de um longo banho quente para me acalmar.

E ainda, precisava reunir coragem de para fazer o convite que planejara à Raquel.

Ao chegar em casa, fui forçada a adiar o banho por alguns minutos. Estranhamente, Raquel estava na sala. Assustei-me ao vê-la no sofá. Ela nunca se comportava dessa forma! Até as refeições ela fazia em seu quarto para evitar qualquer chance de interação. Minha irmã agia de forma ansiosa. Usava um belo vestido e estava perfeitamente maquiada. Claramente esperava por alguém. Preparei-me para a sensação familiar. Preocupada, nervosa e imaginando as piores possibilidades.

Porém, dessa vez foi diferente.

Meus instintos diziam que aquilo era ruim. Não para Raquel, para mim.

Que coisa mais incomum.

O pouco tempo em que vi Nathaniel foi o suficiente para me manter um pouco mais centrada. Reuni coragem e perguntei, tentando soar como alguém que queria apenas conversar.

— Você já pensou sobre o que vai fazer no seu aniversário? Faltam dez dias. Sabe como é, passa rápido.

Surpreendentemente, Raquel devolveu quase simpática:

— Ainda não, para falar a verdade, eu pretendia lhe pedir alguma sugestão.

Esforcei-me muito para conter um sorriso. Senti-me mal por ter que agir assim, mas sabia que se tratando de minha irmã, era melhor ir com calma. Aquilo era realmente inédito.

— Eu imaginei um jantar, quer dizer... — pigarreei, achando a minha própria ideia nem um pouco atrativa. — Não poderíamos fazer uma festa, mas você pode trazer alguns amigos, se quiser.

— Claro! Obrigada, Liza! Mas quanto a trazer amigos, pode acrescentar apenas um à lista de convidados. Pode ser às oito horas? — perguntou pensativa e sorrindo, obviamente por outro motivo.

— Combinado então, às oito horas — respondi rápido demais, movida pela empolgação.

Iria realmente fazer um jantar para Raquel? Daqui a dez dias?! Difícil acreditar!

Queria apenas abraçá-la e me desculpar por tudo, mesmo sem ter culpa de nada. Queria prometer que as coisas mudariam e que tudo seria diferente. Mas certamente, estragaria o momento, se o fizesse.

Contive-me. Desejei boa noite e subi a passos rápidos para o banho.

***

Minha noite foi tranquila. Sem sonhos. O que significava uma noite sem vê-lo.

Acordei ansiosa no meio da madrugada, idealizando o jantar que faria para Raquel.

Será que uma trégua se aproxima?

"Acrescentar apenas um convidado..." foi o que ela me disse. Então... Ele era o motivo. Com certeza, foi ele quem a salvou de Anthony e da armação. Eu mal poderia esperar para conhecê-lo. Era a primeira vez que ela levaria alguém em casa, o que deveria significar muito, se até me deixou cuidar do jantar.

***

Nenhum vislumbre de Nathaniel se manifestou para mim, apesar de todas as minhas tentativas durante o dia no trabalho.

Caminhei pensativa até o parque, não queria ir para casa. Ficar horas e mais horas deitada tentando chegar ao Penhasco, definitivamente, não ajudava em nada. Estendi a toalha na grama, próxima ao chafariz, deitei-me e abri o livro que ganhei no último aniversário. Eu não conseguia manter o foco no rosto de Nathaniel, era como se ele bloqueasse minhas tentativas. Imagens desconexas apareciam cada vez que eu me esforçava. Frustrada, comecei a ler as primeiras páginas do livro Cem anos de solidão.

De repente, não sei de onde veio, mas poderia jurar ter ouvido uma voz no vento, me chamando de maneira assustadora.

"Liiiiiiza."

***

Nathaniel

Tentei evitá-la. Eu precisava me afastar, mas tudo o que consegui foi um acúmulo de falhas ao aumentar nossa distância. Só fazia crescer minha vontade de estar próximo a ela. Eu ouvia as milhares de perguntas borbulhando em seus pensamentos e precisava ganhar tempo. Liza ainda não estava pronta para saber de tudo, ou talvez eu não estivesse pronto para contar.

Não tive escolha ao ver o que a rondava.

A mesma presença vil e maldosa. As sombras que a espreitavam desde sua infância.

Fui forçado a me aproximar.


O Penhasco - Livro 1 - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora