SANGUE NO ESCURO...
Ethan
Ethan sentia apenas o gosto de sangue na boca. Acostumava-se com o sótão, por pior que fosse. Úmido, escuro. O sangue precedia o vômito, em uma espécie de ritual.
Entre os tremores, o suor, a fome e o frio, o que mais lhe incomodava era aquela voz. Rasgava seus ouvidos como unhas afiadas e nascia de seu interior. Estava dentro dele, mas não era dele. Ethan ouvia a voz gritar em seus pensamentos. Seu próprio corpo não obedecia aos seus comandos, por mais fracas que as tentativas fossem.
Ethan estava desistindo, a voz sabia. Cada vez que ele a ouvia, mais fraco ele ficava.
— Coitado, ele está triste — sibilou. — Você foi o que mais durou até agora, Ethan. Espero que dure um pouquinho mais, a hora está chegando.
Com o tempo, Ethan descobriu que ficando calado, sofria menos. A voz se irritava quando ele respondia, e o punia com suas lembranças: Meninas com olhos arregalados, homens assustados implorando pela própria vida.
Às vezes, se calar não adiantava, pois suas memórias se tornavam as mesmas. Afinal, era ele quem fazia aquilo, as suas mãos, sujas de sangue.
Duas almas habitando o mesmo corpo, foi a melhor conclusão a que pode chegar. Mas a alma dele se extinguia, perdia as forças. Ele queria gritar por socorro, só que ali, ninguém poderia escutá-lo.
Ethan pensou na lembrança mais feliz que possuía. A de seu último dia livre. O dia em que a voz o encontrou.
***
Era quase meia-noite quando saiu da faculdade de Direito. Perdeu a noção do tempo estudando para as provas.
A memória era tão viva que podia sentir as gotas de chuva em seu rosto.
Cruzava o beco ao lado do cemitério para cortar caminho, sem dar atenção ao arrepio que sentiu na nuca. Afinal, era a noite da Festa das Asas. Ele sabia da comemoração centenária naquela data. Conseguia ver as fogueiras ao longe. Faltavam duas quadras para chegar em casa, quando ouviu passos às suas costas. Ao se virar, não havia nada, somente as ruas vazias e a chuva molhando o asfalto.
Deu de ombros e ouviu um arbusto farfalhar à sua frente. Inclinou-se para conferir e se assustou. Um cachorro se debatia no chão, tinha os olhos arregalados de puro terror. À sua volta, somente brumas negras.
Abaixou-se para pegá-lo no colo. Pensou em levá-lo ao veterinário quando viu que o animal sufocava.
De repente, brumas negras envolveram o tronco de Ethan e o apertaram. A visão fez com que se lembrasse de dezenas de fitas se retorcendo e se repuxando. Assim, sorrateiramente, as sombras o dominaram, até que ele não conseguisse mais se mover. Ethan perdeu a consciência. E quase sufocou com aquele cheiro. De sal, de terra, de alguma flor.
A partir desse dia, ele só deixava o sótão quando a voz guiava seu corpo para fora.
Considerava essa memória um momento feliz, porque era o único que o fazia crer que não havia enlouquecido.
Quando se passa muito tempo no escuro, torna-se difícil distinguir o real do imaginário.
Ethan sentia pelas duas meninas, queria poder ajudá-las. A voz ficava cada vez mais obsessiva. Ethan as via o tempo todo em sua mente. Talvez se as ajudasse, compensasse o mal feito no passado, não que acreditasse que o perdão pudesse libertá-lo. Mas precisava perdoar a si mesmo.
O dia se aproximava.
A voz se intensificava.
E por mais que Ethan quisesse, não poderia contar a elas sobre os seus planos. A voz com certeza o mataria antes.
Quanto a menina, ah... pobre menina.
Certos planos, por mais cruéis que nos pareçam, precisam seguir seu curso...
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Adorei os comentários do último capítulo! <3
Sábado tem mais!
Beijosss
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O Penhasco - Livro 1 - Completo
FantasySinopse: "Teria sido uma noite como qualquer outra, se ele não tivesse aparecido. E se eu não estivesse completamente sozinha. Com um estranho em um Penhasco e sem lembrar de como fui parar ali. Me assustei quando ele se materializou à minha frente...