Capítulos 35 e 36

10.8K 733 109
                                    

VISITANDO O PASSADO

 

Nathaniel


Muitos anos se passaram desde a última vez que olhei para esses portões. Li as letras de ferro acima do arco e suspirei: "Orfanato Alis Angeli."

Eu não sabia se tinha agido da maneira correta, indo até ali. Porém, após o que encontrei no Penhasco, somente Irmã Daiana poderia me ajudar. A carta de meu pai pesava uma tonelada em meu bolso. E a mensagem dele, não trazia boas notícias. Alertava-me sobre um futuro, que inevitavelmente se aproximava a cada amanhecer.

Essa foi a única evidência concreta que já possuí sobre a existência de meu pai. Suspeitei que Irmã Daiana guardasse certos segredos, assim como deveria saber que eu a procuraria algum dia para buscar esclarecimentos.

E, como falaríamos sobre meu pai, poderíamos falar também de minha mãe.

Já passou da hora de desvendar o meu passado.

Quem seria melhor para isso do que aquela que eu mesmo escolhi para chamar de mãe?

Impulsionado por este pensamento, empurrei os portões e cruzei o pátio. As árvores, as plantas e os arbustos, balançaram em minha direção com o mais sutil dos ventos, eu sorri. Essas foram minhas grandes companheiras nos anos em que ali vivi.

Contornei o chafariz e deixei que as lembranças viessem até mim. Apesar de órfão, a minha infância não fora inteiramente ruim. Mais uma vez, graças à irmã Daiana.

Eu suspeitava de que ela não andava bem de saúde. Há meses não respondia às minhas cartas. Desde que posso me lembrar, eu a via como uma fortaleza dentro daquele corpo pequeno, levemente rechonchudo. Sua personalidade era nítida, em suas feições serenas e sábias. De alguém que reflete mais do que fala e dificilmente se abala ao se deparar com dificuldades.

Fui tomado por um assombro de medo por sua segurança, me dirigi rapidamente ao seu dormitório. Além disso, Liza não poderia ficar sozinha durante muito tempo. Do jeito que era teimosa e fazia de tudo pela irmã, acabaria indo para a ceia de Natal sozinha.

Parei diante da porta de madeira e me surpreendi ao ouvi-la:

— Entre, meu filho.

Cruzei o quarto para chegar à cadeira de balanço onde ela se recostava. Meus temores foram confirmados. Irmã Daiana estava cega.

— Mãe. — Me ajoelhei à sua frente. Surpreendi-me com as lágrimas que escorreram quando deitei a cabeça em seu colo.

— Não se aflija, meu menino. Tudo vai ficar bem. — Ela acariciou meu cabelo e sacudiu levemente a cadeira de balanço.

— Me desculpe por te importunar. Sei que não é o melhor momento, mas temo que o tempo não esteja ao meu favor.

— Ah, meu filho. Verá que com um pouco de calma e clareza, o tempo se prolonga à nossa frente. Tentarei lhe servir de algum esclarecimento.

— Me perdoe, mãe. Me sinto tão anuviado que faço de minhas preocupações as suas. Como tem passado? Senti falta de suas cartas.

— Como deve ter deduzido, já faz um tempo que perdi a visão e não me foi mais possível lhe escrever. Claro que eu poderia pedir a alguém que o fizesse, mas existem certas histórias que o mundo não deve saber. Muito menos quando quem as escreveria seria uma freira nova e impaciente por cuidar de um fardo senil como eu.

— Jamais será um fardo, mãe. E não acredito que sequer pense isso. Pode ter perdido a visão, mas ouso dizer que agora enxerga ainda mais adiante.

O Penhasco - Livro 1 - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora