Capítulo 10

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TARDE DEMAIS?

Liza

Escorreguei as costas até deitar no chão. Encarei o teto do corredor. Sentia-me dormente. Não consegui manter minha irmã livre de problemas por mais de seis meses. Sou mesmo uma inútil. Parece que foi ontem, a época em que ela corria até meu quarto quando nossos pais brigavam. Eu costumava ser a sua primeira pessoa em momentos de dificuldade. Ela me olhava com tanta admiração, com tanto orgulho. E aqui estou eu. Ciente como nunca de que algo muito cruel poderá acontecer a ela. E ainda, completamente impotente.

Como as coisas puderam mudar tão rapidamente? Será que foi algo que deixei passar? O pior de tudo é não saber. Nesse momento, Raquel pode estar dopada por suas supostas amigas. Ou já deitada na cama de um estranho, com quem parece se importar, a minutos de descobrir que foi enganada. E o pior, ainda está por vir: A filmadora. A festa de formatura.

Eu estava exausta. Após o desaparecimento dos nossos pais, não fiz nada a não ser tentar manter as coisas estáveis. Raquel, lutava para fazer o contrário. Sequer consegui chorar por eles. Meu estado, de constante preocupação em compensar o sofrimento da minha irmã, me mantinha ocupada. Admito que também usava isso para esconder a dor que eu carregava dentro de mim.

Imagens da nossa vida passaram como flashes por meus olhos cerrados. As caretas que Raquel fazia entre gargalhadas, quando pequena. Nossos pais, escondidos atrás do sofá... Lembrei-me nitidamente deles gritando, "Surpresa!", quando entrei em casa, na última Páscoa. Pensei na antiga escola, na antiga vida, sem preocupações... Acabei adormecendo no chão do corredor. Com a cabeça apoiada na porta do apartamento, propositalmente. Afinal, para alguém sair, teria que passar por mim. Eu só despertei quando bati com a cabeça no carpete após alguém abrir a porta bruscamente. Senti o pescoço latejar.

— Você é mesmo patética! Só não consegue ser mais do que a sua irmã.

A bruxa de ontem à noite me encarava com olhar de deboche.

— Dá para sair da minha porta? Tenho coisas a fazer!

— O que você fez com a minha irmã?! Você não vai se safar dessa! — Sentei-me zonza pela pancada e tentei focar a visão.

Olhei para dentro do apartamento. Vazio. A não ser pela zona de copos e garrafas espalhadas. O mais importante era: Raquel não devia estar mais ali.

A bruxa bufou, soou entediada.

— Saiba que se algo tivesse acontecido, a culpa seria inteiramente dela! — Ela deu um passo por cima de mim. Como faria a um tapete sujo no chão, com cuidado, para não encostar e estragar seus sapatos. Mas de repente entrou no apartamento de novo e fechou a porta. Alguns instantes depois ela reapareceu no corredor a poucos passos de onde eu me encontrava. Deu-me um tchauzinho afetado, e desceu as escadas.

Então foi por ali que saíram da festa, pela entrada de serviço. Por isso não ouvi nada.

Refleti sobre o que ela disse e a ficha caiu.

"Se algo tivesse acontecido"? Então Raquel está bem? Mas como? Mal posso acreditar!

Uma sensação dominadora de alívio me invadiu. Deixei o prédio rapidamente. Fazia um dia lindo. A paz finalmente me encontrou enquanto eu assobiava pela rua principal. Resolvi alongar o caminho de volta e passei pela praça. Não sentia a menor pressa de voltar para casa e ter de lidar com dois amigos muito chateados, e pior, cobertos de razão.

Contive um grito quando a vi. Raquel. Na praça. Sentada em um banco, cercada por três amigas que a encaravam como se ouvissem uma história fascinante. Senti-me melhor ao constatar que não eram as mesmas garotas responsáveis pela armação. Sentei-me na grama de costas para ela. Fiquei camuflada atrás de um grupo que fazia um piquenique. Apurei os ouvidos e percebi felicidade no tom de Raquel. O que logo me deixou nervosa.

O Penhasco - Livro 1 - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora