VISITA MACABRA
Irmã Daiana
Lá estava ela, após 74 anos de vida. Tolamente chegou a crer que havia compreendido o mundo, as pessoas. Irmã Daiana pensou ter visto de tudo, mas se enganou.
O que nos aguarda afinal, após esta vida? Desta vida na qual ninguém é inteiramente feliz, na qual não há amor ao próximo? Onde tudo o que se vê é egoísmo e ganância?
E quanto a ela própria? Será que levou felicidade por onde passou? Teria levado paz ao coração daqueles que lhe buscaram aflitos?
Ela gostaria de crer que sim. Passou todos os seus anos em busca do equilíbrio. E ajudou sempre que esteve ao seu alcance. O número de crianças que perdeu para esse mundo perverso, de pessoas as quais julgou. Foram tantos que poderia ter ajudado mais. No entanto, quem era ela?
Irmã Daiana se perguntava todas as noites durante suas orações. Rezar fazia sua cabeça pesar menos ao travesseiro. Ela se revirou na cama e puxou o lençol até o pescoço. A culpa a afligia, porque desejava ter feito diferença. Algo de bom para a humanidade. E agora era tarde, a chance se esgotava à sua frente e não havia nada que pudesse fazer.
Foram esses os pensamentos que a assolavam quando ele apareceu. Resultado de pura falta de fé, que agora se encontrava grata, em renovada esperança.
Duas semanas antes, Irmã Daiana se encontrava deitada em seu leito relendo a Bíblia, pois o sono não chegava. Depois de horas de tentativas, levantou-se e andou até a capela, onde ficou a contemplar de joelhos o altar com a imagem de Jesus pregado na cruz.
Nathaniel não saía de seus pensamentos. Toda a vida dele o levava ao mesmo desfecho de seus pais.
Por que haveria o destino de ser tão cruel a uma criatura tão doce?
Ela não poderia contar tudo a ele. Ele jamais se afastaria de Liza. Como pode alguém pedir ao próprio coração que cesse de bater?
Ela não queria fazê-lo provar dessa dor. Por isso, quando ele a visitou, Irmã Daiana lhe contou tudo. Exceto uma parte: A única salvação seria deixar Liza. Talvez, nem mesmo assim adiantasse.
Finalizou sua oração e ergueu-se do banco de madeira para retornar ao seu leito. Ela ouviu as janelas da capela baterem ao se abrirem com o vento. As chamas das velas no altar se apagaram. Somente a tocha próxima à cruz ficou acesa. Irmã Daiana ficou na penumbra.
Suas narinas queimaram. Havia no ar um aroma estranho. Lembrou-lhe o cheiro de sal, de terra, de orquídea. Irmã Daiana notou uma densa fumaça negra se espalhando ao redor da cruz. E ela soube exatamente do que se tratava.
Ciente de que não conseguiria fugir, agarrou o terço em seu pescoço com as duas mãos e esperou. O vento cessou.
Irmã Daiana ouviu uma voz sibilar. Sentiu-se aterrorizada, pois o mais assustador era que o som parecia vir de dentro do seu peito. Aquela presença a fez sentir o peso de uma tonelada em seus ombros.
- Enfim, nos reencontramos - foi o que ela ouviu daquela visão macabra. A fumaça negra já dominava o pequeno espaço da capela.
- Desculpe-me, se já nos conhecemos a sua presença não foi notada anteriormente. - Sua resposta não soou tão firme quanto ela gostaria.
- Sabia que a veria novamente. Vejo que poupará meu tempo já que tem o pensamento no mesmo ponto que eu. Você não poderia ficar quieta. Naaaaão! Tinha que se meter.
- Não sei do que está falando.
A voz arfou impaciente. Arranhou seus ouvidos, lhe provocando náusea. Sua cabeça girou. Suas pernas tremeram.
- Não desmaie antes que eu termine com você, sua velha inútil! Não acreditarei em nenhuma promessa. Sua hora chegou, freirinha. E com você, morre toda a verdade. É a última que sabe sobre a minha existência.
Irmã Daiana caiu de joelhos. A pressão provocada em seus ombros era muito forte. A voz falava do que ela planejava contar a Nathaniel. Ela respirou fundo e se preparou para partir. Orou por seu menino.
Deus! Faça com que ele, de alguma forma, encontre a verdade.
Ela fechou os olhos e aguardou.
Um clarão de luz invadiu a capela de súbito. Ela ouviu a voz gritar um lamento enquanto se distanciava.
Abriu os olhos. Em torno de si, dezenas de brumas negras se esticavam no ar como lenços de seda, rodeavam seu dono. Irmã Daiana arregalou os olhos para aquela visita macabra e depois desse dia, nunca mais conseguiu enxergar.
Acordou dias depois em uma cama de hospital, se recordou das últimas palavras da voz serpenteando:
"Lembre-se, freirinha. Se contar a Nathaniel, ele morrerá."
Irmã Daiana suou pela recordação. Ela jogou o lençol sobre seus pés, aflita. Sabia que não deveria considerar a ameaça. Era crucial para cumprir sua missão, que ele conhecesse a verdade. Mas quando Nathaniel lhe visitou, teve medo. Temeu pela vida dele e não lhe contou. E o tempo se esvaía a cada respirar.
Mas chegou a hora de contar. Irmã Daiana devia isso a ele, pois foi graças a Nathaniel que renovou a sua esperança no amor, nas pessoas.
Este era o seu destino. Finalmente compreendeu.
E são sempre minoria, os humanos que aceitam seu fardo.
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Amanhã tem mais um!
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O Penhasco - Livro 1 - Completo
FantasySinopse: "Teria sido uma noite como qualquer outra, se ele não tivesse aparecido. E se eu não estivesse completamente sozinha. Com um estranho em um Penhasco e sem lembrar de como fui parar ali. Me assustei quando ele se materializou à minha frente...