4º O Contrato

270 39 81
                                    

A cada nova cláusula de extrema importância que eu preciso aceitar antes de assinar o contrato era lido por Carmen, a mesma que me ligou e acompanhou a entrevista, e que agora não mede esforços para enfatizar cada uma de suas palavras.

É enfadonho olhar para a diretora dos Gonzalez pelos minutos que se arrastam, mas não que estivesse demonstrando isso em meu rosto. Por fora, eu a olho sem desviar de sua expressão austera e confirmo com um aceno quando a mesma olha para mim.

E, enquanto eu a ouço, vejo o seu rosto pálido levemente maquiado e seus cabelos louros brancos presos em um alto coque irem ficando mais claros. Não pelas luzes fluorescentes que iluminam a ampla sala de reuniões que nos encontrávamos, mas por alguns raios de sol que entram pelas persianas levemente levantadas que deixam Dante Gonzalez espiar o mundo exterior. Pelo visto alguém naquela sala se encontra tão entediado quanto eu...

—E a mais importante... —continua Carmen virando mais uma página onde no final logo vejo a parte que eu assino.

Aleluia!

Aquilo não chama só a minha atenção de volta como a de Dante, que voltou a se sentar na cabeceira da mesa. Sinto seus olhos em mim por alguns segundos, mas continuo encarando os olhos duros de Carmen.

—... Você não vai relatar para ninguém os serviços que prestar para a empresa. Principalmente à impressa, que adora dar um show com qualquer informação que lhe é jogada. Se qualquer informação sigilosa for exposta e, de alguma maneira descobrirmos que você foi a fonte, isso resultará além de uma justa causa imediata, como as cláusulas anteriores, em uma multa...

—Uma multa? —solto sem me segurar.

Mas deveria ter me segurado. Pelo menos não saiu como se eu tivesse achado engraçado. O que eu tinha, já que eles estavam falando que me dariam uma multa se eu compartilhassem suas informações com a imprensa, mal sabendo que eu compartilharia com o grupo rival. A morte certa nesta última situação seria mais provável do que uma mísera multa.

—Se você não tem intenção de compartilhar qualquer informação enquanto estiver trabalhando para mim, não tem com que se preocupar. —intervém Dante pela primeira vez desde que eu entrei na sala.

—Não — digo virando para encarar os seus olhos azuis de lobo. —, eu não tenho a intenção de compartilhar nenhuma informação.

—Ótimo então...

Até ouço Carmen começar, mas meus olhos ainda estão presos encarando os de Dante. E mais uma vez, pelos segundos que eu o encarei, pude ver a ferocidade escondida neles...

—... Você só precisa assinar.. —viro a tempo de ver ela virar o documento em minha direção e apontar com o dedo onde eu deveria assinar. — ...aqui.

Ela me estende uma caneta prateada para que eu, finalmente, possa assinar aquele contrato. Porém, no momento que coloco sua ponta no papel, uma pergunta corta os meus pensamentos:

Você realmente quer ter sangue nas mãos?

A simples hesitação de responder aquela pergunta é o que me impede de assinar aquele contrato de vez.

Eu queria ultrapassar a tênue linha entre quem poderia viver ou morrer? Assinar aquele contrato parecia como se eu estivesse pronta para a condenar a minha alma...

Assim como ele tinha condenado a de Valentim...

—Algum problema, Lissa?

A voz de Dante cortar meus pensamentos faz com que as perguntas sejam abafadas em minha cabeça e apenas o rosto de Valentim se sobressaía...

—Não. —afirmo assim que termino de assinar. —Nenhum problema.

Devolvo o contrato e caneta para uma Carmen que não parece muito feliz pelos segundos que eu a fiz esperar.

—Apenas vou finalizar com o RH e volto com a sua cópia... —ela diz se levantando e logo indo com o contrato para fora da sala.

—Por um momento, — Dante começa alguns minutos depois fazendo com que meus olhos se voltem para sua postura imponente. — pensei que não fosse assinar. Estava com medo?

A sua pergunta saí mais como uma afirmação e é o efeito que ele quer pelo jeito que não deixa de me analisar. É irritante ter aqueles olhos azuis tentando cavar fundo a minha reação à sua pergunta. Mas não tem problema ele cavar, ele não encontrará nada que eu não queira realmente lhe dizer...

—Eu não colocaria como medo. —começo mantendo minha voz e rosto nivelado ao seu. —Apenas leve receio por sentir que esse trabalho pode mudar a minha vida.

E isso não é uma mentira. Sentia exatamente aquilo mesmo. A mudança inevitável que acontecerá na minha vida. Seja a morte no final ou o simples abismo que eu ainda não pensava em enfrentar, caso após matá-lo eu viesse a sobreviver...

—O senhor costuma acompanhar esse processo de contratação de todos os seus colaboradores? —indago tentando mudar de assunto para que nada realmente perigoso transparecesse em meu rosto.

E aquela é uma dúvida que me ocorreu ao encontrá-lo naquela sala de paredes cinzas. Carmen havia me recebido e sua expressão fechada havia me dado a certeza de que seu voto de contratação não tinha sido a meu favor. A minha sorte é que ela não dava o veredito final e sim o chefe Gonzalez.

—Apenas acompanho os colaboradores que atuarão mais próximos a mim. Carmen faz questão de que eu a acompanhe para que não dê nenhum problema que eu, futuramente, possa a culpar.

—Então já houve algum problema...

—Digamos apenas que houve um colaborador que passou apenas por Carmen e acabou por não acatar todas as cláusulas impostas. —ele dá de ombros.

—Posso perguntar o que aconteceu com ele? —indago de forma inocente.

Continuo o encarando e, mesmo quando penso que ele não vai responder, vejo ele juntar as mãos em cima da mesa e me olhar com ainda mais intensidade, antes de voltar a se pronunciar:

—Eu tomei todas as medidas cabíveis no caso.

O duplo sentido está subliminarmente em cada palavra que saiu de sua boca. Não é difícil adivinhar quais foram as medidas que ele havia tomado. Não existe meio termo quando se trata de traição dentro dos negócios de qualquer umas das facções.

Porém, mesmo sabendo daquilo, mantenho minha expressão neutra e assinto a sua resposta.

—Espero, no entanto, que eu não tenha que tomar essas medidas com você. —ele diz claramente aquilo com uma ameaça implícita, mesmo sem mudar o tom cordial. —E que realmente tenha o jogo de cintura que me garantiu ter.

—Pode ficar tranquilo.... — que eu vou ter destreza necessária para lhe matar. —... eu cumpro com a minha palavra.

Continuamos nos encarando e, antes que ele possa replicar, Carmen retorna como prometido com a minha cópia do contrato. Volto totalmente minha atenção para a mesma que explica mais algumas coisas antes de estender a minha cópia e falar aquilo que tanto queria ouvir:

—Bem-vinda oficialmente às empresas Gonzalez.

🖤🖤🖤🖤🖤🖤🖤🖤

Não deixe de votar e comentar  🤭

Muitos beijos!!

Além da VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora