23° Pressentimentos

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Eu não era uma mulher que acreditava 100% em pressentimentos. Nunca tinha sido. Mas naquela última semana um pressentimento ruim havia se instalado em minhas entranhas de uma forma que eu não conseguia parar de o sentir.

Naquele momento estando na sacada do quarto, enquanto observava o céu negro pontilhado de estrelas, esperei por um momento que a brisa que serpenteava levasse consigo aquele pressentimento. Tinha medo de descobrir que seu motivo se baseava em Dante….

Hoje faz exatamente uma semana que ele havia ido e, mesmo que eu não tenha perguntado diretamente, Cecília havia me atualizado sobre ele durante a semana. Por algumas vezes ao decorrer dela uma vontade louca de, pelo menos, lhe mandar uma mensagem perguntando se estava tudo bem havia me atingido. Fosse pelo pressentimento ou por simplesmente querer saber se a ameaça que nos unia já havia sido liquidada.

Porém, toda vez que eu estava prestes a enviar, me repreendia. Não era eu a pessoa que tinha terminado, seja lá o que estávamos fazendo?

Mas não poderia negar ter soltado um suspiro de alívio quando Glória anunciou no café daquela manhã que seu filho estava voltando para casa amanhã. Isso significava que ele estava vivo e, pelo sorriso de Glória, aparentemente havia ganho aquela batalha. Àquela altura já acreditava convictamente que Ruan estava devidamente queimando no inferno, caso existisse um.

A questão era que, com ele morto, a ameaça que ele representava morria junto com a minha antiga hesitação de não matar Dante…

O pressentimento ruim que me acompanhava era com relação àquilo? O assassinato que eu premeditaria?

Eu até então tinha evitado pensar na questão de estar ou não apaixonada por Dante. Enquanto ele não voltasse e da sua boca saísse a confirmação de que Ruan estava morto, eu tinha decidido não pensar naquilo. Ou tentei pelo menos, mas todos os momentos de calmaria, como agora, uma saudade dele e de estar com ele surgia para tomar meus pensamentos.

Me repreendo, como tinha todas as vezes, e volto para o quarto que, iluminado apenas pelos abajures, parecia tão solitário e sombrio como eu agora me sentia.

Olho para o relógio em meu pulso que marcava quase 23pm e uma nostalgia me bate ao olhar para ele. A memória de Valentim sempre voltava quando estava em estado de solidão também, apenas para me lembrar que em algum momento eu não estive tão sozinha. Olhar para os detalhes pratas dele me faziam recordar que aquele tinha sido o último presente que havia ganho do meu irmão. Lembrava da alegria quase infantil que ficava toda vez que recebia algum presente de Valentim. Por menor que fosse, a felicidade era nítida em meu sorriso todas às vezes.

Até quase sorrio ao trançar as bordas do relógio, mas um sentimento amargo sempre me vinha também quando pensava em Valentim dentro daquele casarão. Insultante pensar em sua boa memória estando em solo inimigo. Enquanto eu ainda confraternizava com o inimigo.

Apenas até aquela noite…

Cansada, decido que ir até a cozinha encontrar algo para comer seria a melhor ideia que teria a noite toda. Tinha mordiscado um sanduíche mais cedo, apenas para evitar jantar e ver cordialidade e, até mesmo carinho, que Glória e Cecília demonstravam livremente para comigo. Ambas facilmente eram pessoas que eu poderia me apegar se tivesse mais tempo.

Com isso, saio do quarto e, enquanto andava pelo corredor iluminado apenas por luminárias alaranjadas, torcia para não encontrar ninguém.

No entanto, quando estou quase perto das escadas vejo, mais ao fundo do corredor oposto, uma silhueta ir tomando forma conforme vinha em minha direção. Paro por um instante tentando ter a certeza de que a pessoa que vinha cautelosamente era a mesma pessoa que eu achava que era.

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