36° A última bolha

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—Está sem sono?

Pergunto da entrada da sala de onde observo um Dante sentado no chão com as costas apoiadas no sofá. Ele tem os joelhos dobrados e os braços estendidos em cima deles. Seus olhos estão fixos em algum ponto a sua frente, mas sei, pelo tempo que o observo dali, que sua mente está em outro lugar.

—Amanhã possivelmente vou ter que matar meu tio... Vou ter que matar aquele que eu sempre vi como um segundo pai. Que me ensinou diversas coisas. Eu sempre pensei que ele seria o último a trair a família. —ele recita distante.

O amanhã, na verdade, era hoje. Já que já eram quase 4:00 horas da madrugada, mas não aponto isso. Ao invés, me desloco de onde estava parada nos últimos minutos e sento ao seu lado imitando sua posição sentada no chão, disposta a ficar ao seu lado.

—Eu não consigo entender como ele pôde estar do nosso lado quando Dimitri morreu. Ele ajudou a carregar o caixão, fez um discurso como se perdê-lo tivesse sido tão doloroso quanto ter perdido meu pai... —ele balança levemente a cabeça como se realmente tentasse colocar algum sentido naquilo tudo. Mas pelo seu tom quebrado e a vulnerabilidade que vejo em sua postura, que sempre tão dura, ele sabia que não tinha sentido algum. —Discursou como se realmente sentisse a perda de Dimitri, quando na verdade estava se vangloriando de não suspeitarmos dele.

Meu coração se encolhe no peito ao ver um sorriso amargo cortar sua face. Por isso, não me contenho e estendo a mão logo entrelaçando a sua a minha.

—Não tinha como você saber... —digo suavemente.

—Eu deveria saber. —ele insiste apertando a minha mão ao invés de a repelir. —Deveria ter sido mais atento quando ele tentou tirar o poder das minhas mãos, alegando que eu não estava preparado. Mais atento quando ele falou que encontraria o assassino de Dimitri. Mais atento quando começou a contrariar as minhas ordens. Ignorei os sinais por que ele era o meu tio. Se tivesse acontecido algo com a minha mãe ou Cecília...

—Mas não aconteceu. —o interrompo.

—A segurança da minha mãe e de Cecília é minha responsabilidade e eu falhei com elas.

—Dante... —faço ele olhar para mim. —Você não falhou com elas. Você apenas não queria que elas perdessem mais ninguém. Você não queria mais perder ninguém. E eu entendo. Pode ter certeza que eu entendo. Se eu tivesse pessoas ao meu redor para me amparar e me segurar quando Valentim morreu, eu teria ignorado meus instintos também para que elas permanecessem comigo.

—Mas você não teve...

—Não, eu não tive. E é por isso que me agarrei a uma vingança. Me agarrei nela com todo o luto e dor que eu sentia como se ela fosse a minha única opção e, agora que eu sei ela não precisa ser, eu... eu não sei muito bem o que fazer. —dou de ombros segurando a minha emoção, como ele a pouco tinha segurado.

Viro para frente e agora é a minha vez de fixar em um ponto sem realmente olhar para nada. Eu não sabia o que faria depois que visse meu sobrinho. Eu simplesmente ainda não conseguia me visualizar depois disso.

—Eu sinto muito, Lissa.

Ao ouvir aquilo volto meus olhos para os seus. Mesmo que a escuridão nos englobasse vejo uma sinceridade no azul de seus olhos. Ele sentia mesmo. Porém, ainda que sentisse, eu não poderia o perdoar. Mesmo que estivesse apaixonada por ele e o amor talvez também já tivesse feito seu caminho para meu coração, eu não conseguia determinar ser diferente daquilo. Eu não podia apagar tudo que tinha sentindo no último ano por ele, mesmo que o bonito sentimento agora estivesse enraizado em meu peito. E ele vê isso.

Virados de frente um para o outro agora, sinto quando ele coloca a mão em minha bochecha. Fecho meus olhos por um momento desfrutando de seu toque. Desfruto do que poderia ser a última vez daquilo.

Eu não sabia o que o destino reservava para nós. O que poderia acontecer daqui a poucas horas. Mas decido não deixar que a incerteza de tudo me tire a chance de sentir uma última vez também aquela bolha que nos rodeava sempre que nosso foco estava um no outro, como agora.

E não foi diferente para ele, que com a mão ainda entrelaçada na minha, me ajudou a levantar e me conduziu até o quarto. Ao chegar nele apenas deitamos de frente um para o outro com as mãos unidas em nosso meio. Muito diferente do frenesi de ontem, simplesmente deitamos ali vestidos, mas desnudos das barreiras que ambos tinham feito para o mundo.

E, ao invés de me lembrar das dezenas de coisas que tinham feito eu odiá-lo e odiar o mundo, me faço rever em minha mente tudo que o que tínhamos vivido no pequeno espaço de tempo que estivemos juntos. Não foco nas circunstâncias, mas nos sentimentos e até nas conversas banais que tínhamos tido e que tinham feito eu me apaixonar por ele. Quando eu não me senti sozinha e sim acolhida ao seu redor...

Quando ele leva minha mão ainda entrelaçada na sua aos seus lábios e deposita um beijo, sei que ele está pensando algo parecido.

Presos um no outro não chegamos a dizer mais nenhuma palavra, porém não é preciso para que ambos saibam o que lá no fundo cada um sentia pelo o outro. Como sabíamos que o desejo de ambos era igual; que aquela bolha durasse o máximo de tempo possível...

🖤✨🖤✨🖤✨🖤✨🖤✨🖤✨

E esse já foi antepenúltimo 🥲

Aaah já estou com saudades desses dois!!

Sábado sai o penúltimo e já no domingo o último com o epílogo e um pequeno bônus, então até lá ❤️

Muitos beijos!!

Além da VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora