5 - Prezada Divaca

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HEEEY

Como está a vida?

Na vida real para quem vocês latiriam mais alto, Caliandra ou Lis?

Boa leitura, beijinhos!

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CALIANDRA

Eu já completava uma semana e meia trabalhando no laboratório de Lis. Apesar de acabarmos discutindo no mínimo cinco vezes por dia, de resto tudo corria bem. Era empolgante trabalhar com tantos recursos, sem ninguém me limitando em qualquer aspecto.

Não fosse a presença constante e irritante daquela mulher, tudo seria perfeito. Mas como é impossível obter perfeição na terra, eu aceitava meu destino.

Lavava minha marmita na cozinha do laboratório, tendo terminado de almoçar, quando senti meu corpo inteiro entrar em alerta, arrepiando de um jeito conhecido.

Lis!!!

Olhei ao redor a identificando, enquanto caminhava elegantemente até mim. O nariz arrebitado como sempre, me fazendo esforçar para não acabar revirando os olhos, entediada.

-Tenho uma dúvida sobre o andamento da pesquisa. – Ela disse em tom perfeitamente formal. Pensei em avisar que em meu horário de almoço preferia não ter que lidar com assuntos de trabalho. Mas ao invés disso, eu fiz sinal para que ela falasse. Reconhecia que também precisava contribuir para nossa boa convivência. Até mesmo já havia evitado xingá-la no mínimo 20 vezes dentre as 102 oportunidades nas quais tive tal vontade.

-Quando você pretende começar os testes de eficácia? Vai usar roedores?

-Não gosto de testes animais. Estava pensando em algumas alternativas... – Lis fechou a expressão tão fortemente que eu parei de explicar, revirando os olhos para seu julgamento silencioso.

-Isso é idiotice.

-Você sabe que é crime expor animais a práticas dolorosas, mesmo que cientificamente, se houver outra alternativa. – Lis fingiu que tinha ânsia de vomito diante da minha fala.

-Não terá nada de doloroso em seus testes.

-Você não tem certeza absoluta disso. – Rebati imediatamente. É claro que eu sabia que as chances eram mínimas, meu problema com os testes não tinham a ver com o fator dor. Apenas não gostava da ideia de ratinhos passando a vida presos em função de um interesse humano.

-Se uma cobra te picar você pretende confiar totalmente em seu sistema imunológico em apoio aos pobres cavalinhos e ovelhas? – Ela perguntou com sarcasmo pingando de sua língua. Eu pensava que deveria ter imaginado tal reação vinda de alguém como ela. Não podia dizer que Lis era uma pessoa cruel, isso seria um exagero, mas tão pouco podia ser considerada especialmente virtuosa, se é que essa seria a palavra correta a se usar nesse caso. Sendo mais precisa, ela era uma mulher prática e racional, se algo superava em benefícios os malefícios que causava, para ela era lógico que se mostrava como eficiente e, portanto, justificável.

Se tivesse que matar dez bebezinhos para salvar mil bebezinhos, ela apenas teria o cuidado de escolher uma faca amolada o suficiente para que o trabalho pudesse ser feito rapidamente.

Racionalmente eu entendia sua linha de raciocínio, até conseguia admitir que talvez tornasse a vida muito mais fácil, ser objetiva em relação a algumas questões morais poderia evitar muito tempo gasto em considerações impossíveis, muitas ansiedades quanto a fatos inevitáveis. Talvez pensar demais fosse associado a sofrer demais. Mesmo assim, eu não sabia como ser dessa forma. Meus neurônios poderiam derreter antes que eu conseguisse simplesmente ser racional em relação a atitudes minhas que poderiam causar dor ao outro. Isso me prendia em um milhão de contradições, afinal, é impossível viver em uma sociedade capitalista sem consumir o sofrimento alheio. Mas também era impossível ser eu sem fazer tudo o que estivesse ao meu alcance, precisava de mais do que lógica para ser convencida.

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