Passo o restante do dia pensando nas palavras de Lissa. Kaldor é alcoólatra. Pelo que ela disse, ele está limpo há anos, mas um alcoólatra sempre será viciado, não importa quanto tempo passe. Não tenho tempo de passar em casa depois do expediente, fiquei o dia todo passando a agenda física para a virtual, atendendo telefonemas e desmarcando os clientes da tarde. Quando terminei, já estava atrasada.
Entro na sala quando sei que a aula já começou, mas por um golpe de sorte, Kaldor ainda não chegou. Imagino que seu dia tenha sido mais corrido que o meu.
Lucas está de pé ao lado de sua mesa, braços cruzados e atitude tensa. Eu reconheço seu nervosismo, mesmo quando ele o máscara com o sarcasmo.
— É sério, Gabriel? Você está tentando me atingir dizendo que sou filhinho de papai? — Lucas ri. — Me diga como pode ser ruim ser sustentado e mimado pelo próprio pai?
— Não estou tentando te atingir, seu babaca. — Gabriel retruca dando um passo em direção a Lucas, seu rosto corado cheio de desprezo. — Estou falando a verdade. Você não tem o direito de opinar no problema dos outros quando nunca passou por nenhum.
— Kelly pediu minha opinião. — Lucas o lembra e fecha as mãos em punho quando Gabriel se aproxima mais. — Antes eram os ricos que zoavam os pobres, agora é ao contrário. O mundo está mesmo fodido.
Me sinto levemente incomodada com sua fala, mas sei que ele está fazendo isso por despeito, não por realmente se sentir superior de alguma forma. Lucas é o cara mais humilde e gentil que conheço, ele só fala coisas ruins quando se sente ameaçado.
— Sua mamãe deve estar orgulhosa, hein? — Gabriel zomba.
Lucas congela, seus olhos ficando vítreos. Eu me aproximo um pouco mais da discussão, mal notando meus colegas de sala observando tudo com interesse mórbido.
— Eu não vou ficar aqui discutindo com você. — Lucas diz aparentando calma, mas está vermelho do pescoço a raiz dos cabelos.
Gabriel dá um passo em direção a ele, seu rosto cheio de raiva, um sorriso debochado nos lábios, percebendo que falar da mãe de Lucas havia sido um golpe bem acertado.
— Está com medo, neném? Quando chegar em casa vai chorar para a mamãezinha? — Provoca.
Agarro o Vade Mecum que está na mesa de Lucas. Não sei brigar e nunca conseguiria me defender de um cara bem mais alto e forte que eu, mas estou com raiva. Se ele tentar magoar Lucas novamente, vou partir o crânio dele com a porra desse livro.
— De você? — Lucas desdenha com a voz cheia de raiva, suas mãos tremem. Aperto o Vade Mecum com mais força.— Nem se eu não tivesse as duas mãos, filho da puta!
Gabriel parte para cima de Lucas e o empurra com força. Minha mente gira, meu corpo entra em alerta e dou um passo em direção a briga, indecisa do que fazer, mas sabendo que irei fazer algo. Gritos de ânimo e susto enchem a sala, meus colegas se afastam e eu ergo o Vade Mecum.
No entanto, não é necessário. Kaldor entra no meio, surgindo de lugar nenhum, e segura Gabriel pela garganta antes de prende-lo contra a parede.
— Encosta no meu filho de novo, e eu mato você! — O professor rosna as palavras, suas mãos se apertando na garganta de Gabriel, seu corpo todo tremendo. De repente, todos ficam em silêncio. — Ouviu? Eu mato você!
Filho?
— Eduardo! — Eu grito quando Gabriel tenta se soltar, mas Kaldor afasta o braço e acerta o punho no rosto do rapaz.
Tudo acontece muito rápido. Os alunos correm para separar a briga, coisa que não fizeram quando Lucas foi atacado, e seguram Kaldor. Duas professoras entram na sala, ambas de olhos arregalados. Eu me encolho. Há muita gente, muita gente. O nariz de Gabriel sangra, mas Kaldor não faz mais nada, apenas se solta entre solavancos dos alunos que o seguram e saí da sala. Eu o sigo sem nem pensar, meu corpo todo anestesiado, minha mente em branco.
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MONSTRO. | Professor × Aluna.
RomanceMONSTRO - Você Me Destruiu. O destino é imprevisível, a força que rege o mundo. No entanto, com Helena Campos, o destino foi mais que cruel. A faculdade de Direito é o lar de seus sacrifícios, onde tem que lutar para se manter, mas se tornou seu lu...