capítulo quarenta e sete.

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Sempre gostei de dirigir, mas agora o faço com um gosto amargo na boca. As lembranças ocupam todo o espaço fechado e me sufocam; tenho que abrir a janela para tentar dissipa-las, mas nem o vento no rosto faz o que sumam, nem tiram o cheiro de Helena. Nosso primeiro beijo foi aqui dentro, nossas conversas profundas foram aqui dentro. Estou dirigindo há vários minutos, o pé enterrado no acelerador, mas nem mesmo saber que estou há mais de cem quilômetros por hora me traz concentração.

O asfalto liso e contínuo se transforma em estradas de terra e sou obrigado a diminuir a velocidade para não ferrar meu carro, que com toda certeza não foi feito para estradas esburacadas e desniveladas. O GPS indica que estou há dez quilômetros do destino final e eu quero diminuir ainda mais a velocidade, no entanto, continuo acelerando.

A estrada de terra termina depois de sete quilômetros e entro numa espécie de vilarejo, as ruas calçadas com pedras. Tudo é simples e interiorano; casas de telha colonial, poucos comércios, pessoas vestidas com roupas que podem facilmente terem sido feitas em casa. A maior parte das pessoas olha quando passo com o carro, que com certeza não faz parte da realidade daqui, e fecho os vidros, esperando me esconder. Continuo acelerando até sair do vilarejo e entrar em outra estrada de terra; falta pouco agora, menos de um quilômetro.

Quando o GPS indica que cheguei no destino final, estou quase na frente de uma porteira de madeira desbotada, que leva a uma estradinha cercada por mato. Quero ligar para Helena e dizer que cheguei, mas meu celular está completamente sem sinal. Tiro o cinto e desço do carro para abrir a porteira; tenho dificuldade com o trinco de ferro, mas consigo destrava-lo depois de alguns segundos de irritação. Retorno ao veículo e entro com ele, tendo que descer de novo para fechar a maldita porteira.

Quando retorno ao carro e seguro o volante, percebo que estou tremendo por inteiro, meu corpo mostrando todos os sinais de pânico. Volto a dirigir, dessa vez, devagar.

Quando avisto uma casa de dois andares, cercada por grama e plantas, paro o carro sob uma árvore, tirando-o da estrada e saio dele. Mal consigo raciocinar conforme caminho pela terra que suja meus sapatos pretos. Mesmo no calor, sinto frio.

Pensei em trazer um buquê de flores, mas Helena com certeza me faria engoli-las, então coloco as mãos vazios nos bolsos e rumo em direção a casa. Quando estou quase chegando na varanda, uma senhora surge na porta.

— Posso ajudar? — Ela pergunta desconfiada, mas não parece pronta para me matar, o quer dizer que ela não se lembra de mim.

— Helena me convidou para vir aqui. — Respondo cauteloso, tão nervoso que minhas mãos suam dentro dos bolsos.

— Ah! Oh fia, tem um moço aqui! — A senhora grita ainda na porta. — Eu sou Maria Alice e ocê?

Limpo a garganta, tentando acabar com o bolo que se formou.

— Eduardo. — Tento sorrir, mas falho. — É um prazer ver a senhora.

Ela sorri, ainda me olhando como se nunca houvesse me visto antes.

Helena surge através da porta quando o desconforto me toma. Meu corpo estremece quando a vejo. Para qualquer pessoa ela está normal, vestida com um short e uma camisa preta larga, mas a camisa é minha. Há olheiras ao redor de seus olhos, mas esse é o único sinal de que ela está alguma coisa além de morta por dentro. Não há uma única emoção em seu rosto.

— Bem vindo. — Helena diz com um sorriso, como se realmente estivesse recebendo alguém querido, mas vejo em seus olhos a mágoa que não pode ser ignorada. — Porque você não entra?

— Eu vou ir buscar os ovos. — A vó de Helena diz com um sorriso na direção de Helena, provavelmente entendendo tudo errado.

— Não, vó. Fica. Eduardo queria falar com você. — Ela diz abrindo mais a porta e entrando sem esperar uma resposta. Agora Maria Alice está confusa, mas não diz nada ao seguir a neta. Eu observo a senhora esguia, vestida com um vestido florido, com o cabelo grisalho preso no alto da cabeça. Ela me parece frágil e quando sigo para dentro da casa, me pergunto se é sensato fazer isso. Não quero, de forma alguma, prejudicar essa senhora outra vez. — É uma pena que meu avô tenha ido para a casa dos meus tios, tentei faze-lo ficar, mas ele realmente precisava ir.

MONSTRO. | Professor × Aluna.Onde histórias criam vida. Descubra agora