capítulo cinquenta e oito.

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Sou levado até a delegacia e mantido numa cela separada dos demais detentos após dar meu segundo depoimento. Antes da faculdade, eu brincava com Eloy dizendo que precisava de um diploma para ter regalias ao ser preso; nunca imaginei que isso de fato aconteceria.

Quando prestei depoimento, contei todos os detalhes daquela noite, omitindo qualquer mínima participação que pudesse comprometer Helena. Contei tudo, desde o início, desde o julgamento até o dia que conheci Helena, tudo que fiz, com a maior honestidade que consegui empregar. Por fim, deixei o delegado e o escrivão tão chocados que me senti vencendo uma partida de algum jogo doentio. Se eles me achavam louco, agora que sabem que eu menti para minha noiva durante todo o nosso relacionamento, eles com certeza me acham um psicopata.

Me deito na cama dura e estreita, só agora me arrependendo profundamente do que fiz. Nem Matias merecia dormir nesse lixo de cama, pelo amor de Deus. Enfio as mãos nos bolsos do moletom, tentando aquecer meus dedos gelados pelo nervosismo, mas tudo que encontro é algo áspero. Puxo o que quer que seja e me surpreendo ao encontrar um pedaço de papel.

Mantenha a calma. Seja forte e corajoso. Tudo vai dar certo.

Você não merecia isso, sinto muito.

Não tem uma assinatura, mas eu reconheceria a letra de Helena em qualquer lugar. Eu leio e releio o que ela escreveu, me focando nas palavras até que meus olhos estejam secos.

Eu mereço, sim. Mereço cada merda que aconteceu e acontecerá comigo. Eu não agi certo, de forma alguma. Como eu pude fazer Helena me amar? Como eu pude mentir para ela e pedi-la em casamento sabendo de tudo que eu sabia? Como pude jogar com tudo que tinha, colocar o tabuleiro inteiro ao meu favor, sabendo que ela jamais me perdoaria? Deitado nessa cama dura e estreita, apertando seu bilhete em meu punho cerrado, me sinto envergonhado. Pela segunda vez na vida, deixei que meus sentimentos levassem a melhor sobre mim e agi como um verdadeiro canalha.

Dessa vez, não me pergunto o que fiz com Helena, ou com Lucas, ou até mesmo com Eloy.

Me pergunto o que fiz comigo mesmo.

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— Estamos aqui hoje para uma audiência de custódia, pois como ordena a lei, toda pessoa que é presa tem o direito de ser levada, sem demora, até a presença de um juiz, para que os fatos sejam analisados e a prisão dada como correta, observando se nenhum direito foi descumprido ou negado. O juiz no caso sou eu, e aqui está representando o ministério público o Dr. Luiz Castro e também seus advogados, Dra. Eloy Montserrat e Dr. Savio Lavignolli, que atuarão em sua defesa. — O juiz, Luciano Dias, é novo na cidade, recém aprovado no concurso. É a primeira vez que o vejo pessoalmente. — Por favor, o seu nome.

— Eduardo Henrique Antunes Montserrat Kaldor. — Eu odeio meu sobrenome, primeiramente porque ele parece um trecho da Bíblia, segundo porque dois deles pertencem a minha mãe. Prefiro ser chamado apenas de Kaldor.

— O senhor tem filhos?

— Sim.

— Qual a idade dele? Reside com o senhor?

— Dezessete. — Eu paro por um instante, em dúvida do que dizer. — Sim.

Lucas não mora exatamente comigo, mas mora há alguns metros de mim e de qualquer forma, sou eu que o sustento.

— Seu nível de escolaridade e profissão?

— Advogado e professor. Nível superior completo, mestre e doutor.

O juiz ergue os olhos dos papéis a sua frente e me encara, esquecendo de suas perguntas decoradas. Será que o idiota não teve pelo menos a consideração de ler os autos antes de abrir seção?

MONSTRO. | Professor × Aluna.Onde histórias criam vida. Descubra agora