capítulo quarenta e nove.

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Desde minha volta, uma semana atrás, tudo continua igual, mas agora, quando entro na sala e deixo minha pasta sobre a mesa, noto de imediato a mudança. Helena está presente.

Sentada no meio da fileira da esquerda, não perto o suficiente da minha mesa ou do fundo da sala, ela tem os braços cruzados e os olhos fixos a sua frente. Ela parece a mesma; roupas sociais bem passadas, sapatos de salto baixo, pouca maquiagem. A única diferença, e a mais gritante, é seu cabelo. Antes os fios eram longos, agora, estão cortados um pouco abaixo do queixo, com duas pontas maiores que o restante do comprimento.

— Boa noite. — Eu desejo percebendo que não disse nada ao entrar.

Odeio todos os alunos dessa turma em específico, exceto por quatro ou cinco. Apesar de terem idade para serem adultos, são crianças mimadas, sustentados pela família, e só estão no curso porque alguém quis que estivessem. Eles não se esforçam, só fazem o mínimo para passar e olhe lá; quem precisa se esforçar quando sabe que irá ganhar um escritório no centro assim que se formar?

— Hoje é que dia? — Alguém pergunta do fundo da sala. Eu não saberia dizer; nunca fui bom com datas, mesmo as atuais. Helena que me dizia qual dia era.

— Dois de novembro. — E como se lesse meus pensamentos, Helena responde. Ouvir sua voz é um choque em meu sistema, tanto que chega a ser doloroso.

— Valeu. — Quem perguntou, agradece.

Abro minha pasta e olho para os papéis dentro dela, completamente desorientado, sem saber sequer o que estou procurando. Finjo que estou organizando as folhas, buscando ganhar tempo quando sinto que já estou em silêncio há tempo demais.

— Qual o tópico da aula de hoje? — Beatriz pergunta há algumas mesas de mim.

— Feminicídio. — Falo a primeira coisa que me vem a mente e me arrependo prontamente. Crime contra a mulher? Porra.

— Assunto interessante. — Helena comenta de seu lugar. — Quando a gente vai falar de crimes sexuais?

— Depois dos crimes contra a vida. — Felizmente minha voz soa composta e impessoal. Não olho para ela, preciso manter minha concentração ou me mostrar incompetente; e eu não sou incompetente. — O conceito mais simples de feminicídio que posso apresentar, é o “homicídio cometido em razão da vítima ser mulher”, como dito no código penal, no artigo 121. Para ser considerado feminicídio, o homicídio deve ser cometido em razão de desprezo ou menosprezo da condição feminina, ou quando há violência doméstica e familiar. Desta forma, difere-se do homicídio “comum” porque as outras vítimas não foram mortas porque são mulheres e sim por outros fatores, como roubo seguido de morte, por exemplo, que é latrocínio. Sendo assim, nem toda mulher assassinada sofreu feminicídio.

Pego o código penal sobre a mesa e passo as páginas devagar, buscando voltar a me concentrar no que tenho que fazer. Minha mente corre para vários lugares diferentes e o assunto que escolhi só não é pior que crimes sexuais, porque de resto...

— O artigo 121 prevê três hipóteses para o feminicídio ocorrer: quando há violência doméstica e familiar, desprezo, e menosprezo à condição feminina. — Passo os olhos sobre a turma, observando o burburinho que surge quando começam a pegar seus enormes vade mecum para verificar o artigo. Sempre odiei essa porcaria de livro enorme, preferia trazer todos os códigos de uma vez só do que esse troço. Helena tem os olhos em seu caderno, não se importando em pegar o vade mecum ou qualquer outra coisa. Sequer parece prestar atenção em minha aula. — Eu quero que vocês leiam e interpretem esses parágrafos. Não vale nota, não existe pressão ou julgamento. Leiam e escrevam o que vocês entenderam; eu só quero saber, a princípio, o que vocês entendem sobre essas hipóteses.

MONSTRO. | Professor × Aluna.Onde histórias criam vida. Descubra agora