capítulo cinquenta.

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O fim de semana é a pior parte da semana. O escritório fecha, a faculdade não abre e todos estão eufóricos para curtir o momento de folga. Antes de Helena, eu saía todos os finais de semana e mesmo sem beber, me divertia. Porra, eu saía até nos dias de semana, vez ou outra com uma aluna que me chamava atenção ou alguma mulher que conhecia através do Instagram. Agora, eu sequer abro o Instagram ou faço qualquer coisa que não seja dirigir a esmo pela cidade, sem destino algum.

Num desses passeios sem destino, acabo estacionando na feira simplesmente porque não consigo passar com o carro em meios às barracas. Sempre gostei daquele lugar, mas agora me traz lembranças dolorosas. Helena e eu visitamos uma única vez, andamos de mãos dadas e comemos feijão tropeiro, mas agora tudo me lembra dela.

Caminho pelo lugar sem me atentar a nada e ao mesmo tempo conectado absurdamente com o passado. Helena está em cada rua, cada calçada, tudo me lembra ela. Desde às barracas até às crianças que correm pelas ruas. Quando ela me contou que não poderia ter filhos, eu me senti tão mal que cheguei a vomitar e tive que mentir sobre a razão, alegando que o peixe, que nem comi, havia me feito mal. Eu soube o motivo no momento que ela contou e aquilo foi tão horrível que a dor emocional se tornou física.

As memórias de Helena se misturam ao rosto de Martin conforme percorro a feira até chegar na barraca que visitamos; se eu matasse o desgraçado, talvez a vingasse.

A barraca de bambu está igual, com mesas e cadeiras e o cheio sutil de comida. Observo o quadro de fotos Polaroid e me surpreendo quando, em meio a todas elas, encontro uma foto minha e de Helena. Mesmo na imagem preta e branca, posso ver nitidamente seu sorriso.

— Pode ficar com ela se quiser. — Uma voz diz atrás de mim e eu me viro lentamente, encontrando a dona do local apoiada no balcão dentro da barraca. — Para lembrar da garota.

— Porque a senhora acha que preciso me lembrar dela? — Questiono, mas não perco a oportunidade de puxar a foto do mural. Pego minha carteira e a abro, colocando a foto numa das repartições transparentes feitas para guardar documentos.

— Porque você não a tem mais. — Ela responde, convicta. A mulher coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha e abre um sorriso cheio de pena. — Sinto muito, rapaz.

Caminho em passos lentos até ficar de frente para ela, guardando a carteira no bolso. Ela deixa a cabeça pender para o lado, os olhos avaliativos. Me pergunto o que ela vê, se eu pareço fisicamente tão destruído quanto estou emocionalmente.

— Como você sabe dessas coisas? — Questiono. Nunca fui muito de crer no sobrenatural, mas algo naquela mulher arrepia os pelos do meu corpo e me traz uma espécie de calma misturada ao receio.

— Algumas pessoas foram feitas para se encontrarem, mas não para permanecerem juntas. — A mulher diz num tom pesaroso. — Mesmo assim se encontram, pois fazem parte de um processo de cura.

— E como diabos você pode saber disso? — Torno a questionar, mas agora mais hostil do que pretendia. A mulher não se abala mediante ao meu tom inóspito, pelo contrário, ela segura minha mão sobre o balcão e aperta. É absurdamente estranho quando uma onda de calma atravessa meu corpo, uma clareza assustadora que tira um peso invisível das minhas costas.

— Eu apenas sei. — Responde, os olhos claros cheios de gentileza. — Não pense que o destino continuará a ser cruel com você, ainda há muitas coisas boas reservadas, coisas que estão por vir. Depois dessa turbulência, nascerá esperança.

— Você está me assustando. — Confesso, perdendo toda a raiva e a ansiedade de antes.

— Não turbe vosso coração. — A mulher diz acariciando minha mão. — Ainda há vida dentro de você.

MONSTRO. | Professor × Aluna.Onde histórias criam vida. Descubra agora