capítulo sessenta e seis.

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Me recupero bem, apesar da gravidade dos ferimentos sofridos. Eloy repete diariamente que vaso ruim não quebra, eu rio, mas no fundo me pergunto se isso realmente é verdade. Se realmente sou ruim, se realmente não quebro. Sinto-me submerso e confuso; será que não consigo acessar minha costumeira ansiedade cheia de miséria ou ela simplesmente não existe mais? Estou extasiado, dopado pelos últimos acontecimentos ao ponto de me enganar pensando que estou... Bem? Sei da existência de Pedro há treze dias e ainda não me acostumei com seus olhinhos azuis, com sua risada infantil, com seu cheiro que me reconforta. Tenho medo de que ele deixe de existir, que isso seja um sonho, que eu ainda esteja em coma, que eu ainda esteja preso. Preso na prisão de pedras, preso dentro de mim. As duas opções são igualmente ruins. A verdade é que passei tanto tempo convivendo com os mais profundos sentimentos de ódio e desafeto por tudo e todos, mas principalmente por mim, que não sei me relacionar com essa nova vida, estes novos sentimentos. Essa situação me lembra o tempo que fumei; o difícil de largar o cigarro não é exatamente se desvencilhar do vício na nicotina, é se desvencilhar dos hábitos. Por exemplo, todos os dias após o almoço eu fumava um cigarro; o que faço agora depois do almoço? Como dizer ao meu cérebro que agora não irei mais fumar logo em seguida, mesmo tendo feito isso por meses e meses? Parar de fumar é reaprender a viver, assim como deixar de estar morto por dentro.

Por anos eu estive morto. Mesmo quando eu estava feliz, havia uma tristeza subjacente. Nunca fui, de fato, feliz. Mesmo quando criança, ou melhor, principalmente quando criança. Sempre estive convicto que não havia amor para mim, que seria impossível ser amado porque minha mãe me ensinou que eu não era digno disso. Depois, eu vi meu melhor amigo e primeiro amor ir embora do país e notei meu amor por ele, nem o amor dele por mim, foi o suficiente para que ele não partisse. Fui digno de seus beijos e de suas promessas, mas não de sua presença, não de sua permanência. O último prego no meu caixão foi a queda do meu casamento; nem mesmo a mulher que jurou me amar diante de Deus e do Estado suportou ficar. Outra vez não fui suficiente, outra hora sendo indigno.

Agora sou um homem adulto e ainda me sinto imaturo e perdido. Minha criança interior continua sentada num canto escuro dentro de um armário de casacos, abraçada a si mesma conforme chora baixinho e conta até mil tentando se concentrar em alguma coisa, qualquer coisa, que não seja a dor de ser indesejado e pouco querido.

Tão, tão indesejado.

Reconheço que não fui indesejado apenas pelas pessoas ao meu redor, mas também por mim mesmo. Nunca me mantive sozinho, nunca gostei da minha companhia, nunca quis me conhecer. Ou estava completamente mergulhado no trabalho ou estava mergulhado em uma mulher, mesmo que por uma única noite. Quando começava a pensar demais, eu começava outro projeto ou me me desafiava a conquistar alguma aluna da faculdade que demonstrasse desinteresse por mim; no fim, elas sempre provavam que o desinteresse era forçado, uma forma de atrair.

Agora eu faço terapia e sou obrigado a pensar em mim, a refletir sobre o que estou sentindo e não fugir. Percebo que minha companhia é dolorosa e que meu coração dispara em dor ao ter que conviver, sem filtros e distrações, comigo mesmo. Pensei que já havia experimentado vários tipos de castigos, mas não há nada comparado a conviver comigo mesmo.

Respiro fundo, espalmando minhas palmas abertas no mármore frio do balcão da cozinha e tento me acalmar. É só um momento de confusão, logo passa, logo passa.

Ter a ciência que ela está lá em cima, dormindo na cama que um dia dividimos, enquanto eu estou aqui tentando no sucumbir a confusão, me traz extrema tristeza. Eu poderia estar deitado naquela cama, poderia ter visto sua gravidez e curtido nosso filho... Se eu tivesse dito a verdade, se eu tivesse...

Arrependimento.

Minha terapeuta disse que eu precisava aprender a decifrar minhas emoções até compreender o que estou sentindo, mas é difícil. É difícil porque admitir para mim mesmo que me arrependo requer admitir que eu poderia ter sido diferente, tomado outro caminho.

MONSTRO. | Professor × Aluna.Onde histórias criam vida. Descubra agora