O que devo ser para ele além de uma peça chave em seu plano? Talvez não seja nada mais que isso. Me aconchego um pouco mais entre os cobertores e caio no sono após ficar pensando e pensando por vários minutos. Ao acordar estou sozinha na cama e não ouço mais o som da chuva. Ergo a cabeça com o rosto todo amassado e olho em todas as direções, ele não está mais ali. Saio da cama e vou até a varanda, o céu ainda está tomado por nuvens cinzas mas não está chovendo. O ar está fresco e o cheiro de terra molhada paira no ar. Onde foi que o diabo se meteu? Desço as escadas depois de me alongar e cruzo todo o jardim molhado fazendo meu trajeto de volta até a entrada da mansão. Passo pelo chafariz e caminho lentamente até os degraus da entrada, a porta já está aberta e a primeira figura que vejo naquela manhã é a de Bety.
— Kaila — ela vem até mim — o patrão deixou um recado pra você.
— O que ele quer agora? — respondi mau humorada.
— Ele quer que você se arrume e vá até o portão quando for nove e meia da manhã. Disse que um motorista vai estar te esperando. Não falou mais nada.
— Ele que se foda, mas que horas são agora?
— São oito e cinquenta.
— Droga — passei rápido por Bety — te vejo depois Bety.
— Você é muito estranha Kaila.
— Esse é o charme.
Subo para o quarto, tomo banho, escovo os dentes, troco de roupa, passo um pente fino redondo no cabelo e volto ao primeiro andar o mais rápido possível. Não iria perder a chance de ver a cidade outra vez, não que eu gostasse de centros urbanos mas apenas estava curiosa para ver tudo novamente, os carros, as pessoas, a fumaça dos veículos poluindo o ar, os cachorros brigando e as crianças rindo nas praças. Deixei a mansão e andei em direção ao enorme portão negro com grades, era a primeira vez que eu chegava tão perto dele e um dos funcionários na pequena cabine de controle a direita acionou um dos botões que abria o portão.
— Tenha um bom dia senhorita — ele disse quando eu passei.
— O mesmo para o senhor — respondi dando um sorriso e acenando, como uma dama, da mesma maneira que Cho havia me ensinado. Quando o portão estava completamente aberto eu vi um carro preto parado do lado de fora, estava a minha espera. Um homem saiu de dentro dele e o rodeou para abrir a porta para mim, era o mesmo motorista que antes havia me trazido até a mansão na noite do meu despejo.
— Bom dia senhorita Kaila — ele sorriu enquanto fazia uma reverencia charmosa.
— Bom dia né, eu não esqueci daquele dia não — respondi, devolvendo o sorriso e parando a sua frente. Ele ergueu os olhos para me olhar.
— Ossos do ofício senhorita, ossos do ofício.
— Eu é que vou moer seus ossos se me der qualquer tipo de água com remédio, ou seja lá o que for aquilo que você colocou na última.
— Faria isso com um velho homem motorista? — ele fechou a porta após eu entrar, contornou novamente o veículo e se sentou ao volante.
— Eu faria — respondi.
— A senhorita é como uma orquídea, bonita aos olhos mas venenosa ao toque. Me sinto avisado, mas saiba que daquela vez eu apenas seguia ordens.
— Mas me diga, onde vamos?
— Vamos ao encontro do patrão — ele respondeu enquanto ligava o veículo. Aproveitei e dei uma boa olhada pela janela, haviam árvores enormes e bem verdes de ambos os lados. Entre elas seguia o asfalto molhado que sumia ao fazer curvas metros a frente.Estávamos em uma região montanhosa e em breve chegaríamos na cidade mais próxima, pelo menos eu espero. Não sei dizer se é a minha cidade natal, apesar de ter morado nela a minha vida toda eu não conhecia quase nada, odiava ter ter sair ou ir em lugares novos. O desconhecido sempre me assustou muito, mas olha agora, eu toda bem vestida dentro do carro do meu próprio motorista, aprendendo coisas novas e cada vez mais perto de estar dentro da elite das classes. Isso me deixa excitada e ansiosa, o medo do desconhecido se tornou a ânsia por mais e mais. Sou a mesma pessoa de antes, só que agora com uma fortuna gloriosa prestes a chegar até mim.
O carro entra em movimento e a brisa do ambiente começa a entrar pela janela e a balançar meus cabelos, eu devia fechar, mas gosto dessa sensação de liberdade. Passamos alguns minutos seguindo a rua entre as árvores e então cortamos por dentro de um enorme viaduto que eu não fazia a menor ideia de pra onde ia ou de onde vinha. Avistei algumas placas mas não consegui ler e aos poucos foram surgindo novos veículos na estrada. Minutos mais tarde passamos por um posto de gasolina, uma lanchonete deserta, um lava-jato e então chegamos em uma rodoviária bem movimentada.No fim estávamos em uma cidade urbana, com ruas, prédios, casas, pessoas andando apressadas de um lado para o outro e então o carro parou próximo a outro veículo da mesma cor.
— É aqui que nós despedimos senhorita Kaila, espero vê-la mais vezes — disse o motorista me olhando pelo retrovisor interno.
— Acabou? O que eu faço agora?
Mas antes que ele pudesse responder, alguém abriu a porta ao meu lado. Era Lúcifer.
— Vamos, Kaila. Daqui pra frente você fica comigo. Vamos dar algumas voltas e ver aquele seu presente que eu comprei.
Ele segurou a minha mão e me guiou até o outro veículo.
— Por que tem outro carro aqui e quem vai dirigir? — perguntei curiosa.
— Esse outro carro é pra não chamar a atenção e eu vou dirigir — o diabo sentou no banco da frente. Estávamos apenas eu e ele, num local desconhecido e indo para um destino mais desconhecido ainda. E nem adiantaria eu perguntar já que ele não responderia. Vou ter que esperar para ver no que tudo isso vai dar e ver que presente é esse que ele tanto fala.
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Meu Diabo Favorito
Romance#20 Em Romance! "Nem Deus Poderá Salva-la Dos Meus Desejos Mais Sombrios" Kaila vê sua vida virar de cabeça para baixo após receber um pergaminho misterioso vindo de um sujeito que se diz ser o próprio diabo. Descrente e sem muita escolha, ela assin...