parte 2

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ponto de vista: vivi

Manu pediu três pizzas pro jantar. Depois de insistir bastante, acabaram me deixando escolher um dos sabores. Até então, a preferência de escolha era dos filhos da Laura e as outras meninas mais novas.

— Quantos anos tem a moradora nova? — Fabiana pergunta com a boca cheia e suas mãos sujas de molho de tomate.

— Bem mais que você, com certeza. — Manu respondeu, gargalhando em seguida. — Só falei com ela pelo telefone, mas parece ser nem muito nova, nem muito velha. Tipo a Vivi.

Todos olharam pra mim. Engoli um pedaço de mussarela rapidamente pra responder aquilo.

— Mas e eu? Por acaso sou velha? — Samira falou antes que eu conseguisse.

— Não, é que... — Manu enrolou na resposta.

— Alguém sabe se tem um colchão que nenhuma alma viva usa aqui? — questionei.

Desde que li o bilhete, fiquei pensando. A responsabilidade de conseguir cama pra garota nova não devia ser minha, só porque eu vou dormir no mesmo cômodo que ela. Certo?

— Eu acho que tem no quartinho de limpeza. Só que tá meio sujo, você vai ter que limpar.

— Eu? — dei risada, achando uma graça (e um absurdo). Quando percebi que todo mundo continuou sério, desmanchei meu sorriso. — E a dona da casa? Ou a Laura, que gosta tanto de limpeza-

— Vivi, eu tenho dois filhos pra criar. Sem contar, meu trabalho. Você vai ter que se virar sozinha, afinal, a colega de quarto da menina vai ser você. — Laura me interrompeu.

— Mas...

— Eu te ajudo. — Samira se prontificou.

— Valeu. Pelo menos, isso. Eu nem sei como se lava colchão. — me encostei na cadeira.

— Muito menos eu. Mas deve ter um tutorial no YouTube, né Manu? — Samira olhou pra Manu, que juntou as sobrancelhas.

— Sei lá, gente. Mas lavar colchão é fácil. Vocês vão saber. — ela respondeu tudo e ao mesmo tempo nada.

Foi quase inútil. Ou totalmente.

Depois de comermos, Samira e eu fomos até o quartinho de limpeza. Assim que abrimos a porta, demos de cara com aquele colchão enorme, apoiado na parede. Acabamos por rir, de tão óbvio que era.

— Vem, me ajuda à carregar. — ela se adiantou em tirar aquilo do lugar.

— Carregar pra onde, mesmo? — pergunto, torcendo pra ela não me achar uma idiota.

— Pro quintal. Lá tem a mangueira, esqueceu? E ainda vai dar pra estender no varal.

— Entendi. Ok.

Carregamos o monumento (mais pesado do que aparentava, talvez pela sujeira) até o lado de fora da casa. Samira jogou o colchão no chão e eu segurei a mangueira. Após abrir a torneira, começamos a lavagem, alternando a vez de cada uma passar o sabão e distribuir a água.

— É, espero que seque antes que a novata chegue. — Samira disse quando enfim terminamos.

Ela apoiou o braço no meu ombro, exausta. Respirei fundo e fiquei imaginando como seria dividir o quarto com outra pessoa. Bom, não deve ser tão ruim assim. Desconhecidos podem ser legais, de vez em quando. Quem sabe a garota seja ultra mega divertida, ou no mínimo de boa, que nem a Samira.

Como quase todos os dias, teve fila pra entrar no banheiro. Como uma pensão pode ter apenas um banheiro? É inacreditável. Já tentei mudar meus horários de banho pra não enfrentar esse tipo de coisa, mas nunca deu certo.

Dessa vez, eu consegui pegar o terceiro lugar. Tô atrás da Manu, que tá atrás da Laura.

— Laura, você já deu banho nos seus filhos? — pergunto à ela.

— Já, inclusive eles tão dormindo. Então falem baixo. — ela diz, de costas e com sua toalha pendurada no braço.

— Como os dois já tomaram banho e eu não vi? Em que mundo eu vivo? — reclamei mais alto do que devia.

— Também quero saber. — Laura comenta, fazendo Manu dar uma risadinha baixa.

Quando ela viu minha reação, tocou na minha mão delicadamente e me olhou como se me entendesse.

Depois de esperar bastante, felizmente consegui me banhar. Não posso julgar a demora do banho dos outros, porque tem horas que não há nada melhor que uma ducha de uma hora.

A água quente descendo pelo corpo parece uma sessão de terapia.

Só fui arrumar meu quarto depois de enrolar um pouco. Não tinha muito o que fazer, na verdade. Só deixar espaço para as novas coisas que o ocupariam. Deitei na cama e suspirei. Cansada pra caralho, mas até que tranquila.

Mudanças são bem-vindas, né? Só espero não me arrepender de ter dito isso.

borboletas [gabi cattuzzo]Onde histórias criam vida. Descubra agora