parte 20

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ponto de vista: vivi

Voltamos pra casa e ficamos uns vinte minutos na sala conversando, até que Triz se despediu. Gabriela tentou convencê-la à dormir aqui, mas a garota insistiu que seria melhor ela voltar pra casa. Subi as escadas quase morrendo, pois meus pés doem demais.

Finalmente no meu quarto, eu agradeço mentalmente pela minha cama ser a de baixo. Tiro os sapatos e vejo Gabriela me encarando na porta, assim que chegou.

— Que foi? — pergunto inocentemente.

— Só tô pensando... — ela disse em tom baixo. Dei de ombros e me estiquei no colchão. — Vivi.

— Fala.

— Lembra quando eu caí, aquela hora? — ela passou a mão pelo cabelo, nitidamente inquieta.

— Sim. O que tem? — comecei à entender onde ela queria chegar.

E lá vamos nós.

— Você me chamou de quê? — um sorriso se formou no rosto da de olhos azuis.

— Sei lá. Gabriela? — quase gaguejei.

Merda. Pior que eu lembro exatamente do que chamei ela.

— Não disfarça. Você me chamou de "Gabi". — ela deu um passo à frente.

— Se sabia, por que perguntou? — resmungo.

— Viviane, para! — Gabriela rangeu os dentes, exclamando nervosa.

— Nossa, hoje você tá que tá, né? — debocho, quase rindo.

— Não é só isso. Você também de repente ficou legal comigo. De novo.

— Tá falando isso por conta daquele abraço ridículo que a gente deu quando marcamos ponto no jogo?

— Isso e outras coisas... — ela se aproximava cada vez mais, até que se agachou, ficando na mesma altura que eu, já que estou sentada na cama.

Ela levantou uma sobrancelha e fez uma cara, como se estivesse lendo meus pensamentos.

— O que você tá insinuando, Gabriela? — imitei sua expressão, inclinando minha cabeça pra frente.

— Nada. Só que... — a garota enrolou pra falar, o que me preocupou um pouco. — Você já me perdoou. Mas não quer admitir.

Suspirei aliviada. Por um momento, achei que ela fosse falar outra coisa.

— Que besteira. Sua própria amiga disse que a gente se uniria em algum momento. E foi isso. O momento aconteceu, mas agora acabou, né? — dei de ombros e olhei pra baixo. Ouvi-a suspirar e pensei umas coisas. — Que mudança repentina é essa? Você tava toda irritadinha até formarmos dupla no boliche, e agora vem falar essas-

— Claro. Porque você fica fazendo tudo pra me irritar. Aposto que só se aproximou da Triz por isso.

— Impressionante, você não muda mesmo, né? Acha que tudo gira ao seu redor. A Triz é legal e eu me dei bem com ela, só isso. Tá com ciúmes?

— Não, Viviane, não é bem assim. Confesse, eu te conheço. Sei como você é, por mais que duvide.

— Não. Você acha que me conhece, mas não sabe metade da minha vida. Talvez eu tenha feito umas coisas pra te irritar, mas você também não é nenhuma santa.

— Tá, pode ser. Foda-se, ok? Eu já te pedi desculpa mil vezes. — ela ficou de pé, e eu também.

Uma de frente pra outra, discutindo feito duas otárias.

— E eu já te disse mil vezes que não é do dia pra noite que vou passar a confiar em você de novo. — rebati.

— Mas que merda! Eu queria ser sua amiga, pelo menos...! — os olhos de Gabriela estavam semicerrados.

"Pelo menos"? O que isso significa?

— Sabe que não parece? — minha voz ficou calma de repente. — Acredite se quiser, mas você também não consegue me perdoar. Por isso que a nossa relação é essa gangorra infernal.

— Então o que quer que eu faça? — ela bateu as mãos nos quadris. — Quer que eu ligue pra menina que nem lembro mais o nome e fale que aquela maldita trolagem foi minha culpa?

— Seria legal, mas isso não resolveria nada.

— Pois é, também acho. Então vamos ser claras? Você pretende agir assim pra sempre? Porque se for, me avisa agora, que eu faço minhas malas e vou embora.

— ...Vai jogar tudo nas minhas costas, agora?

— Não, Viviane, eu só não quero um dia achar que tá tudo bem, e logo depois ser descartada de novo!

— Gabriela... — dei risada daquilo. — A gente não é mais criança. Não namoramos, nem nada. Você não precisa ser tão dramática...

— Essa é sua resposta? — a garota me fitou como um general.

A verdade é que eu não faço ideia se quero ser amiga dela, de novo. Não depois de todas as coisas que vivemos nos últimos tempos. Dentro de mim, há uma coisa. Uma sensação que tá crescendo aos poucos, o que me faz supor que talvez eu...goste dela. Porém eu tento ignorar isso o máximo que posso. Por orgulho, provavelmente.

Só sei que não é por vergonha. Já me senti atraída por outras garotas, antes. Assumir uma sexualidade não é algo que me abala, agora.

Mas que porra é essa?

— Quer saber o que eu acho, de verdade? — respirei fundo e pressionei os lábios antes de falar. — Eu acho que você não tem que procurar um rótulo pra definir nossa suposta "amizade". Se do nada decidirmos retomar aquela relação de anos atrás, não vai dar certo. Você sabe disso. Porque tudo aquilo foi destruído, então não adianta você me pedir desculpas repetidas vezes, esperando que eu volte à ser sua fantoche.

— E...? — ela gesticulou pra eu concluir.

— E é melhor que sejamos sinceras, nem que seja através de discussões inúteis, apelidos e provocações. Desculpa, mas isso é o máximo que consigo te dar no momento. Então ou a gente não se fala mais, ou permanecemos assim.

— Só me diz uma coisa. Você me odeia de verdade?

Engoli seco.

— Não, Gabriela. Eu não te odeio. — cruzo os braços e um silêncio se instala.

Quando começou à se tornar incômodo, senti Gabriela me envolver em seus braços.

— Eu também não te odeio. — ela disse, com a cabeça apoiada em meu ombro.

— Percebe-se. — falei em ironia, mas no fundo senti que era verdade.

Ela desfez o abraço e me olhou.

— Quem vai tomar banho primeiro?

— Vai você. Meus pés tão me matando. — sento novamente.

— Cê vai dormir suja, de novo? — Gabriela fez uma cara de nojo.

— Não começa. Só falta você querer dar banho em mim... — eu disse naturalmente, mas após me dar conta do duplo sentido que essa frase teve, arregalo os olhos de leve.

— Ok. Como quiser. — ela bufou e saiu do quarto.

borboletas [gabi cattuzzo]Onde histórias criam vida. Descubra agora