parte 35

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ponto de vista: vivi

Guaxinim veio me buscar em casa e nós fomos dar uma volta na praça.

— Você parece distraída... — ele comentou enquanto bebericava sua lata de coca, pouco tempo depois que sentamos em um banco.

— Você sabe o porquê. — olho pra baixo, meio constrangida.

— Gabi?

— Claro. É sempre a Gabriela. — suspirei.

— Ela é a pessoa que você gosta? — Guaxi me lançou um sorriso de canto e eu não pude evitar encara-lo.

— Sim. — não foi difícil admitir isso pra ele.

— Imaginei. O que houve?

— Tem uma mulher que mora com a gente, a Laura. Mãe do Henrique e da Fabiana. Um dia ela foi numa consulta médica e voltou estranha. Passou um tempo e a Gabriela foi falar com ela, só que quando eu perguntei o que ela disse, a garota disse que não podia falar. Que fez uma promessa.

— Hm. Olha, se fosse algo realmente grave, ela te contaria. Eu acho. Então fica tranquila...

— Difícil ficar tranquila. A gente nem tá se falando direito, ela se afastou do mesmo jeito que eu me afastei. — tirei uma florzinha da planta ao meu lado e fiquei mexendo nas pétalas.

— Vocês são imprevisíveis, mesmo. Mas como sou amigo das duas, vou te dar um conselho. Posso?

— Pode. — assenti.

— Fala o que você tá sentindo pra Gabi. Não importa o que seja, cê tem que ser sincera.

— Será? E se ela... — procurei uma desculpa pra justificar minha insegurança. — Você tem razão.

Ele balançou a cabeça em afirmativo, como se dissesse "escuta a voz da experiência".

Nos despedimos na porta da pensão e eu entrei. Ando por todos os corredores e olho em cada cômodo, mas não acho as pessoas que gostaria.

— Ei. — chamo uma menina que passava pela porta do banheiro. — Sabe da Laura, da Gabi ou das crianças?

— A Laura e a Gabi saíram, e deixaram as crianças na casa de alguém. Acho que algum parente, sei lá. — ela falou rapidamente e voltou à caminhar.

Fiquei o resto da tarde esperando por elas, um tempinho na sala, outro no meu quarto, lendo um dos livros da Gabriela. Automaticamente lembrei das noites que dormimos juntas na minha cama, me dando conta lentamente dos meus sentimentos.

Preciso ser sincera. Chega de bancar a criança. A oitava série já passou.

— Vivi? — a mesma menina que falei mais cedo apareceu no meu quarto. — Elas chegaram.

— Valeu. — agradeço antes de correr. Ao descer, vejo as duas sozinhas conversando baixinho. — Oi.

— Oi. — só Laura me respondeu.

— Cadê as crianças?

— Deixei elas na casa da minha madrinha. Elas vão dormir lá, hoje. — Laura falou novamente. — Vou subir, licença.

Quando ela se retirou, Gabriela virou seu corpo pra janela e eu quis cavar um buraco e me enfiar nele. Talvez ela não me queira como eu quero ela.

— Nem adianta me perguntar, porque eu não vou dizer nada. — ela arrumava seu brinco na orelha.

— Relaxa. Não vou te perguntar nada. — rebati no mesmo nível de rispidez, antes de me afastar.

As horas passaram e eu às perdi de vista novamente. Voltei pro quarto, entediada e aborrecida. Até que quando menos esperei, Gabriela apareceu desesperada e cheia de pressa.

Ela procurou sua carteira e quando achou, saiu disparada. Já passavam das sete da noite.

Achei isso muito estranho e instantaneamente cogitei que podia ser algo com a Laura, então fui em direção ao quarto dela. Vazio. Procurei na cozinha, no jardim, no quartinho de limpeza, mas nada.

Acabei desistindo, elas devem ter ido juntas.

Resolvi esperar mais, só que nada acontecia — além da chuva que se iniciou. Fui ao banheiro e ao abrir a porta sem esperança, encontrei Laura lá, sentada no chão e ofegante.

— Laura, meu Deus! — me agachei, próxima dela. — Por que você tá aqui, e assim?

— Eu só... — ela tentou falar, mas saíram coisas desconexas. — Não dá tempo. Vivi, me escuta, tá? — a mulher perguntou e eu confirmei com a cabeça. — Você tem que ir atrás da Gabi, pode ter acontecido alguma coisa.

— Como assim?

— Ela foi comprar remédios, naquela farmácia que fica na primeira rua depois do shopping. Vá atrás dela, é urgente! — Laura suplicou, suando feito um porco e prestes à apagar.

— Mas e você?! Vou pedir pra Samira cuidar de-

— Não! Vá rápido! Eu vou ficar bem! — ela exclamou, implorando. — Rápido, Vivi. Rápido.

Com um aperto no peito, eu fui. Peguei o primeiro guarda-chuva que encontrei e saí porta afora. Caminhei em passos largos, imaginando Gabriela passando por algum perrengue, sozinha e desprotegida.

Antes mesmo de passar pelo shopping, vi a garota atravessando a pista um pouco longe, toda encharcada e com uma sacola em mãos.

— Gabi! — gritei. — Gabriela! — corri, tentando alcançá-la e quando consegui, ela se assustou.

Porém ao ver que se tratava de mim, me abraçou na mesma hora.

— Desculpa...! — sua voz tremia e eu me questionei se toda aquela água em seu rosto era apenas chuva ou lágrimas, também.

— Tudo bem. Não tem problema. Vai ficar tudo bem, tá? A gente vai cuidar da Laura. Eu te amo. — falei ofegante, segurando seu rosto com uma das minhas mãos.

Ela me beijou rapidamente e ficamos debaixo do guarda-chuva. Chegou o momento em que percebi que podia não dar tempo, então puxei sua mão e nós corremos o mais rápido que conseguimos.

borboletas [gabi cattuzzo]Onde histórias criam vida. Descubra agora