parte 36

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ponto de vista: vivi

— Inacreditável... — Júlia se virou pra nós, balançando a cabeça em decepção. — Como deixaram isso acontecer? Por que não disseram à alguém?!

Olhei pra Gabriela ao meu lado e ela estava abatida, tanto que não respondeu.

— Faça-me o favor. Você nem sequer nos conhece. Não sabe nada do que acontece na pensão. Você não mora lá! — cuspo as palavras, já de saco cheio.

Só nos criticaram desde que chegamos nesse hospital. Como se não bastasse o sufoco que passamos ao voltarmos pra casa e ver Laura desacordada no banheiro.

Não teve jeito, todo mundo acabou descobrindo, mas só as mais próximas vieram conosco.

— Viviane, não me faça gritar com você aqui. Não pode negar que a culpa disso tudo é de vocês. São duas imaturas, que-

— A culpa é minha. A Vivi não sabia de nada. — Gabriela interrompeu Júlia, dando um passo à frente de braços cruzados.

Ela ainda estava molhada por conta da chuva.

— Acha que eu vou acreditar nisso? Pelo amor de Deus! — Júlia Turista rebateu.

— Gente, olha o vexame. A gente tá num hospital, não é lugar pra discutir. — Manu se pôs entre nós e Samira se acercou também.

— Brigada, Manu... — Gabi agradeceu, mas a mulher simplesmente à ignorou.

Fez uma cara de desgosto e eu não me contive.

— Sério que estão pensando em culpa, agora?! A Laura tá morrendo, naquela sala de cirurgia. — tô tão puta que não pensei antes de falar.

— Mas não estaria se vocês tivessem feito algo, antes. — Manu pôs pra fora o que parecia estar entalado em sua garganta.

— Só pode ser brincadeira... — eu dou uma risada sarcástica e indignada.

— Vivi, esquece. Vem. — a garota de olhos azuis me puxou pelo braço e nós fomos pra outra sala de espera.

Cheguei perto do bebedouro e enchi um copo d'água.

— Toma. — entreguei pra ela.

— Eu não quero. — Gabriela olhou pra baixo e eu acabei bebendo a água toda sozinha. — Eu mereço ser culpada, não você.

— Para de falar isso. Você fez uma promessa, lembra?

— Uma promessa impensada e imatura. Você mesma discutiu comigo por conta disso.

— É, mas...

— Tá vendo? Que raiva! — Gabi sentou-se numa cadeira ao lado. — E se acontecer algo com a Laura? Eu nunca vou me perdoar.

— Ela tá numa cirurgia justamente pra não acontecer. Relaxa por enquanto, ok? — me sento ao seu lado e acaricio suas costas.

Será que ela lembra que eu disse que à amo? Eu sei que não é o momento pra pensar nisso, mas foi inevitável.

— Impossível. — ela responde, me acordando do meu transe.

— Olha pra mim. — mandei e ela obedeceu na mesma hora. — Eu te garanto que a Laura vai sobreviver à essa. Conheço ela há tempo suficiente pra saber que ela é forte pra caralho. Afinal, cuidar daqueles dois projetos de gente não é fácil...

Nós rimos.

— Tomara que você tenha razão. — Gabriela me fitou e meu coração acelerou.

— Meninas? — Samira apareceu.

— Veio culpar a gente? — perguntei, meio ríspida, confesso.

— Claro que não. Ninguém tem culpa. Sei que só queriam ajudar. — ela para na nossa frente, com um olhar esperançoso. — Não querem voltar pra casa?

— Agora?

— É, tomar banho, tentar dormir um pouco...

— Não, preciso me certificar que a Laura vai ficar bem. — Gabi disse com firmeza.

— Qualquer coisa a Manu e a Júlia ligam pra avisar. Elas vão ficar a noite toda.

— Duvido muito que elas confiem em nós depois disso. — eu falei. — Em você, talvez.

— Elas tão abaladas, porque foi um choque. Mas vai passar. — Samira garantiu.

— Mesmo assim, eu prefiro ficar. — Gabriela insistiu na ideia. — E você? — ela me olhou.

— Eu fico onde você estiver. — respondo honestamente.

Aquele conselho de ser sincera e falar o que sinto realmente mexeu comigo.

— Bom, já que vão ficar, eu também vou. — Samira sentou próxima da gente.

— Você parece calma... — a de olhos azuis falou baixinho.

— Digamos que já vivi isso antes. — minha amiga explicou, me deixando curiosa.

— Como? — perguntei.

— Meu pai teve câncer. — ela respondeu, engolindo seco e encarando suas pernas.

— Ele morreu?

— Sim. Faz bastante tempo, mas eu lembro bem. Foi algo um pouco diferente e ele não aguentou. — Samira segue contando e ao ver nossa reação, arregala os olhos de leve e acrescenta. — Mas a Laura não vai morrer.

— Você acha?

— Acho. Vamos torcer, né? — ela estendeu sua mão pro meio de nós três.

Gabriela põe a sua por cima, e em seguida eu faço o mesmo. Logo depois colocamos a outra, na mesma ordem. É como se fosse uma promessa de fé.

Nunca fui uma pessoa religiosa, mas creio que nesses momentos a fé não se trata de um Deus em si. Tá mais pra um desejo coletivo, uma força que vem das próprias pessoas.

borboletas [gabi cattuzzo]Onde histórias criam vida. Descubra agora