parte 44

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ponto de vista: vivi

— A Samira não quis vir? — Gabi pergunta.

— Ela disse que encontraria a gente aqui. — explico abrindo a porta e dando espaço pra ela passar.

A recepção do hospital tá bem tranquila. Fiquei parada uns segundos observando a calmaria. Quando subimos no elevador pro andar certo, vimos totalmente o contrário.

Pessoas andando rapidamente pra lá e pra cá, telefones tocando e maçanetas girando.

— Eu já até esqueci qual o quarto dela. — Gabriela disse.

— Cadê a Manu? — pergunto já ficando zonza.

Sentamos numas cadeiras próximas à parede e eu peguei meu celular. Tento ligar pra Manu mas ela não atende. Chega o momento em que eu me viro e não vejo a garota mais ao meu lado.

Levantei à procura de Gabi e acabei à encontrando no fim do corredor.

— Vivi, essa é uma das médicas da Laura. — ela me puxou pra perto, delicadamente. — Então, onde é o quarto dela, mesmo? Viemos fazer uma visita.

— A Laura não tá mais no quarto, eu sinto informar. Hoje foi um dia cheio, ela não acordou bem.

— Mas e agora? Onde ela tá? Como ela tá? — pergunto um pouco impaciente.

— Infelizmente o caso piorou. Até mais do que achávamos que poderia. Laura sentiu muitas dores, incômodo...Ela não resistiu. Nós fizemos o possível.

Ao ouvir isso, senti como se tivesse congelado. Eu quase esqueci de respirar, não pisquei, fiquei sem reação. Gabriela simplesmente desabou em lágrimas. Ela me abraçou e eu não consegui retribuir, por conta do choque.

Não tô acostumada com pessoas morrendo. Ainda mais alguém que era tão próxima. Meu Deus, e as crianças? Como eu vou...

Cadê a Manu?!

— Meninas! — ela veio correndo até nós quando nos viu de longe. — Pensei que não viriam mais. — seu rosto está inchado.

À essa altura, a médica não está mais aqui.

— Manu, a Laura, ela... — Gabi soluçava.

— ...Sim. Ela foi muito forte, aguentou muita coisa.

— E as crianças? — foi o que eu consegui dizer.

— Tão numa sala do andar de baixo. Elas ainda não sabem, foi há pouco tempo. — Manu suspirou. — Eu achei isso nas coisas dela. É pra vocês. — ela nos entregou um papel. — Tinha um pra mim, pra Samira e para as crianças, também.

— Eu preciso ir no banheiro. — a de olhos azuis se afastou, claramente precisa de um tempo sozinha.

Eu peguei a carta e a segurei forte.

— Não dá pra acreditar. — comento, perplexa.

— Quer ir atrás dela? Eu procuro a Samira. Ela já deve ter chegado. — Manu disse, eu assenti.

Fui até o banheiro mais próximo e encontrei minha namorada de frente pro espelho, com a cabeça baixa.

— Ei. — me aproximo, pondo a mão nas costas dela.

— Eu cheguei à acreditar que ela ia melhorar. — ela disse baixinho. — Nem conseguimos ter uma última conversa. Como vai ser ter que viver com essas dúvidas, Vivi?!

— ....Eu...

— O quê? — Gabi me olhou.

— Não sei o que dizer. Mas olha, temos a carta. Acho que no fundo ela sentiu o que ia acontecer. — tentei aliviar as coisas, minha voz trêmula não ajudou.

— É, talvez. — ela começou a lavar o rosto e em seguida o secou com papel. — Vamos ler de uma vez.

— Certeza? Não quer esperar...sei lá.

— Não. Eu não consigo esperar. — Gabriela pegou o papel e saiu rapidamente.

Sentamos num banco dos fundos, e a menina desdobrou o papel.

"Oi, meninas. Não sei quando lerão essa carta, mas se for logo depois do acontecido, sei que não deve estar sendo fácil. Esses últimos dias tem sido reveladores pra mim, sabem? O que me faz lembrar da minha infância.

Por volta dos 9, 10 anos, eu queria muito ter superpoderes. Um em específico. O dom de prever o futuro. Ser uma vidente. Bobagem, eu sei.

Mas ultimamente, parece que eu revivi todas as minhas experiências. Eu me enxerguei de fora e me dei conta de que meu tempo já estava acabando. Não conseguiria fazer metade do que pretendia. Por isso, resolvi escrever essa carta. Pra tranquilizar todo mundo e falar que eu tô bem.

A minha morte talvez será dolorosa, lenta ou difícil pra mim, não sei. Mas honestamente, eu não tô preocupada. O que me deixa mal é o fato de nunca mais ver vocês, minha família, meus bebês...

Ah, meus filhos! Eles vieram aqui ontem, me mostraram desenhos, deveres da escola, cantaram pra mim. Eu os amo tanto, e estou chorando aqui ao lembrar de cada momento. Manu me prometeu que cuidará deles. Sei que ela cumprirá a promessa, mas caso algo aconteça, deem o jeito de vocês!

Eu sei como vocês duas são meio inconsequentes. Brincadeira, meninas. Gente morta também faz piadas, hein? Ok, chega.

Por favor, não fiquem remoendo isso pra sempre. Essas coisas acontecem. Se eu aceitei, vocês precisam fazer o mesmo. E viver. Vivam, pelo amor de Deus. Namorem, casem se quiserem, aproveitem a vida e não usem as pessoas.

Soube que a pensão tá indo de mal à pior. As meninas estão indo embora, e a Dora tá surtando. Apesar dos desentendimentos, aquela casa foi muito importante pra mim. Pra nós. Dora e Júlia podem ser difíceis de lidar, mas não arrumem encrenca com elas, por favor.

Se quiserem se mudar, façam. Mas não cultivem violência e vingança. Não quero esse exemplo pros meus filhos!

Outro flashback de infância aqui, eu nunca sei terminar cartas. Então vou apenas dizer minhas verdadeiras últimas palavras:

Muito obrigada."

Gabi colocou a carta de lado e deu risada. Uma lágrima escorreu pela sua bochecha e eu a enxuguei.

— Ela era tão mandona...Não largava do pé. — falei.

— Que bom, porque você é muito relaxada. — ela me brincou. — Já tô com saudade.

— Eu também. — à abracei de lado. — O que temos que fazer agora? — mordo o lábio, emocionada.

— Viver? — Gabriela me olhou sugestivamente, entrelaçando nossas mãos. — Vem.

penúltimo capítulo, gays
estão prontos??
nem eu.

borboletas [gabi cattuzzo]Onde histórias criam vida. Descubra agora