parte 3.

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Uma coisa que me acalma é escrever ouvindo música. Passei as últimas duas horas ouvindo em loop "Line Without a Hook", e não me arrependo.

"Diário, é ridículo como as mínimas situações me inspiram de uma forma absurda. Desde que conheci o Gabriel, iniciei uma história nova, o que faz literalmente dois dias. É inacreditável, eu sei. Ridículo, também. Mas não é como se fosse sobre ele. Porque não é.

Não passa de um romance adolescente entre duas garotas que se cruzam no elevador. Não direi muito agora, porque ainda tô desenvolvendo tudo na minha mente. Inclusive, melhor parar de escrever e dar continuidade.

Me espere e não morra antes de mim."

Peguei meu caderno maior e tirei o marcador de páginas do fim da minha última história. Agora, uma maldita nova folha em branco me aguardava.

Mudei a música e comecei. Cheguei até a metade do terceiro capítulo, até que meus dedos cansaram, me fazendo desistir, mas com uma fodida dor no coração. Odeio ter que deixar pra depois.

Mas infelizmente tô com fome. Merda, viu? Se eu estivesse morta, isso não aconteceria.

— Rosa, é você? — Isadora perguntou quando eu passei por ela.

— Você sabe que sim. — respondi, abrindo a geladeira.

— Pensei que fosse ficar no quarto o dia todo.

— E por que a preocupação? — levantei as sobrancelhas pra ela, uma ironia.

— Eu até te contaria, mas imagino que não se importe. Na verdade, tenho certeza. — ela segurou sua bengala com forma e deu um sorriso debochado. Fiquei em silêncio, pensando no que dizer. — Bom, eu vou tomar banho pro jantar.

— Desde quando você toma banho pra jantar?

— Desde hoje, vou receber visita. Posso estar cega, mas ainda tenho vida social. — ela caminhou lentamente pra fora da cozinha.

Ignorando totalmente o comentário infeliz da minha irmãzinha, que visita seria essa? As amigas dela estão distantes agora, mais do que estavam antes. E o namorado, bom...ele deu o fora nela assim que descobriu a cegueira.

Calma, ainda chegaremos lá.

De volta pro quarto, termino uma maçã enquanto aguardo Isadora sair do banheiro. Pois é, dormimos juntas, porém em camas separadas.

Ela odeia isso, e eu também. Quase tão pior do que ter que ser babá de uma garota cega que me odeia.

Ela saiu com um roupão roxo e uma toalha amarela na cabeça. Como quase todos os dias, eu separei pra ela a roupa que ela queria e à ajudei com as peças mais difíceis.

Nosso pai chegaria mais tarde hoje, então eu me sentei e observei minha mãe e Isadora prepararem a mesa com uma bandeja enorme de lasanha.

— Nossa, quem é que vai vir? Joey Tribbiani? — perguntei seriamente.

— Quem? — Ivana questionou, curiosa e perdida.

— Mãe, minha blusa tá do avesso? — Isadora mudou totalmente de assunto e minha mãe voltou sua atenção à filha mais velha.

— Rosa, pode atender? — elas falaram quando a campainha tocou.

Levantei e fui preguiçosa até à porta. Ao abri-la, dei de cara com Gabriel e arregalei os olhos até mais do que o bastante pra demonstrar surpresa.

— Oi, Rosa. — ele sorriu sem mostrar os dentes.

— V-Você é a tal visita? — gaguejei, incrédula.

— Sou. Sua irmã não te contou?

— Não somos muito próximas. Por que você não me contou?

— Achei que soubesse. Desculpa, eu podia ter comentado. Eu encontrei com ela por acaso um tempo depois de te conhecer. A gente conversou, e viramos amigos também.

— Sei... — dei espaço pra ele entrar.

— Ela falou de você. — ele lubrificou o lábio, dando passos à frente.

— Só coisas boas, imagino. — disse em sarcasmo.

— Gabriel? — Isadora se aproximou.

— Oi, oi. — ele cumprimentou ela. — Aquela é a mãe de vocês? Prazer, senhora.

— Por favor, "senhora" não. Ivana. — minha mãe sorriu e o cumprimentou também. — Pode sentar, já vamos comer.

coração inválido [mount]Onde histórias criam vida. Descubra agora