parte 2.

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— Desculpa, eu não te vi. Tudo bem? — ele perguntou, todo afobado.

— ...Tudo. — menti na cara dura, não tava nada bem.

Mas não era culpa dele, então não o envolveria nas minhas confusões.

— Você mora aqui?

— O que você acha? — rebato.

— Calma, ficou tão nervosa por causa da batida? — ele ajeitou sua bolsa nas costas.

— Não, eu só... — suspirei, querendo sumir. — Sim, eu moro aqui.

— Qual porta? — o rapaz perguntou e eu apontei. — A minha é aquela, em frente à sua.

— Você acabou de se mudar, então?

— Pois é, essa mochila é a última bagagem que eu trago pra cá. E aí? Esse prédio é bom, mesmo?

— Ô. Não tem coisa melhor. — brinquei. — Estamos num andar alto, aquela janela ali é perfeita pra...

— Pra? — ele indicou pra que eu continuasse, mas à essa altura já estava nitidamente assustado.

— Nada. Bom, eu vou indo.

— Espera. — ele tocou de leve no meu braço. — Se importa de me mostrar o lugar?

— Você se muda pra cá e não conhece nada ainda? — cruzo os braços.

— Bom, nada não. Só essa parte aqui... — ele sorriu. — Mas não tô muito interessado nos corredores em si, só quero saber se tem algum lugar legal ou diferente aqui no prédio, que dê pra fazer algo divertido, sabe?

— Olha, eu sou a pessoa errada pra te mostrar lugares divertidos aqui. Acredite.

— Ué, você acabou de quase fazer uma piada de suicídio com a janela. — ele provocou. — Apesar de ser preocupante, você parece conhecer bem.

— Sim, mas digamos que o que pode ser considerado "divertido" aqui são as pessoas. Mas ok, eu te mostro.

— Prazer, Gabriel. — ele estendeu sua mão e eu à apertei.

— Rosalinda.

— Quantos anos você tem?

— Por que? — juntei as sobrancelhas.

— Porque se você for menor de idade, seria melhor avisarmos seus pais sobre o tour, né? Eu sou um estranho, ainda. — ele coçou a nuca, sem graça.

— Relaxa, Gabriel. Eu tenho dezoito e meus pais não tão nem aí.

— ...Bom, eu vou guardar isso dentro do apartamento e já volto, tá?

Eu assenti e Gabriel foi destrancar a porta de sua nova casa. Em pouco tempo, ele voltou e nós entramos no elevador.

— Então Rosalinda, de onde veio a ideia desse nome? — o garoto perguntou quando chegamos no térreo.

— Sei lá. Minha mãe deve ter fumado alguma coisa quando ficou grávida de mim. É bem provável... — comentei ao passarmos pelo portão que dá pro estacionamento.

— Caralho, fumar grávida. Essa é uma baita história pra contar na velhice. — ele riu.

— Né isso. — acompanhei. — Aquele é o porteiro, você já conhece?

— Sim, é...Carlos, né? — Gabriel fez um esforço pra lembrar do nome.

— Isso. E aquela que tá conversando com ele é a dona Carmelita. O que você precisa saber sobre ela é que aquela velhinha nunca nega um pedido. Então se um dia estiver fugindo de um traficante, pode se esconder na casa dela que não importa o que façam, ela nunca vai te entregar. — cochichei.

— Ah, claro, pode deixar. — ele balançou a cabeça de olhos arregalados. — Não me diga que isso já aconteceu com você.

— Quase, não era um traficante. Mas ainda tá valendo. — dei risada.

Eu o guiei até o parquinho onde as crianças brincam e em seguida à piscina.

— Brinquedos muito pequenos pra gente, mas não é impossível de se aventurar ali. — ele tirou seus sapatos, dobrou a calça e sentou na beira da piscina.

— Fala sério, brincar ali? Quantos anos você tem? — fiz o mesmo, começando então à balançar meus pés na água levemente gelada.

— Que foi? Preconceito?

— Não. Realismo.

— Vai me dizer que você não tem vontade de deslizar naquele escorregador? — Gabriel apontou.

— Não. Não mais, pelo menos. — dei de ombros, folheando meu caderno.

— O que é isso? — ele tentou pegar da minha mão, mas eu desviei.

— Nada. A gente nem se conhece ainda, pra eu te mostrar minhas coisas.

— Tá bom, Rosalinda. Foi só curiosidade. Pode ao menos dizer o que pretendia fazer com isso antes de me encontrar? — eu encarei seus olhos azuis e eles eram realmente bonitos.

Queria que os meus fossem assim.

— Escrever? — fiz uma careta.

— Tá, mas escrever o que? — ele imitou minha careta.

— É um diário, satisfeito? — enfim respondi, e o rapaz ficou em silêncio. — Pensando em maneiras criativas de me chamar de criança?

— Não, Rosalinda. Pelo contrário, acho bem maduro escrever sobre seus sentimentos. É uma escapatória.

— É...também acho. Pena que não funciona totalmente. — olhei pra baixo.

— Como assim?

— Você não entenderia. Esquece.

Ele não passa de um desconhecido. Um desconhecido legal, aparentemente, mas ainda sim. Não faria sentido eu me abrir desse jeito.

— E aquele? Quem é? — Gabriel cutucou meu braço e apontou pra um senhor que passava com uma gaiola em mãos.

— É o Nado.

— Nado? — ele franziu a testa.

— Todo mundo chama ele assim. Todo dia ele leva o pássaro dele pra tomar vento na praça.

— Todos que moram aqui são velhos? — o garoto gargalhou.

— Praticamente.

— E que injustiça com o pássaro. Ficar lá na praça, vendo todos os outros livres, voando e cantando, enquanto ele preso. Nado é um homem mau.

Me perguntei se ele brincou ou não, mas achei graça.

— De fato. Ninguém o conhece bem, então eu suponho que seja.

— Um dia a gente vai libertar o passarinho, Rosalinda. — Gabriel inclinou sua cabeça e fez uma pose peculiar.

— Rosa. — o "corrigi", pela primeira vez.

Já tava quase me irritando em ser chamada pelo meu nome toda hora.

— Rosa. — ele disse, de uma forma gentil e receptiva.

já gosto dessa relação
gabriel gosta de aproveitar a vida e isso já
tá ficando claro pra rosa...

coração inválido [mount]Onde histórias criam vida. Descubra agora