parte 27.

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Desci até a portaria e queimei as folhas ao vento. Precisava sentir que me livraria delas de verdade. Quando voltei pro meu andar, parei em frente à porta de Gabriel e toquei a campainha algumas vezes, na esperança de que ele parasse de me ignorar e atendesse logo a porta.

— Por favor... — murmurei suspirando. — Me perdoa.

— O Gabriel não tá, Rosa. — ouvi uma voz conhecida falar comigo. Me virei e vi dona Carmelita, próxima ao elevador. — Saiu bem cedinho, com mochila nas costas...Acho que não volta hoje.

— Ah. Brigada. — dei as costas, pronta pra entrar na minha casa.

O que ela estaria fazendo aqui?

— Tudo bem, querida? — a velhinha se aproximou.

— Não muito. Queria falar com ele. Resolver uma coisa...

— Entendo. — Carmelita fez aquela cara de quem não sabia do que se tratava, mas me apoiava do mesmo jeito. — E se você for fazer um lanchinho lá em casa?

— ...Eu-

— A gente conversa, cê põe pra fora o que tá sentindo. Que tal? — ela sorriu docilmente.

— Tá bom.

Chegamos no andar dela e adentramos seu apartamento. É exatamente como da última vez que o vi. Uma decoração bem a sua cara, papéis de parede floridos e algumas plantinhas na varanda.

Sentamos à mesa e ela me serviu bolo e suco.

— Sabe, Rosa, é normal decepcionarmos nossos amigos. Não somos perfeitos. — dona Carmelita disse antes de dar uma garfada na sua fatia.

— Eu sei. Mas tem pessoas que não merecem ser decepcionadas... — disse cabisbaixa.

— Tá falando do Gabriel?

— Ele é tão bom pra mim, sempre foi legal comigo. Eu sempre estrago tudo.

— Se eu bem te conheço, sei que deve ter acontecido algo à mais que isso. Foi a sua irmã?

— ...Foi. — engoli seco.

— Deus que me perdoe, mas essa Isadora é o próprio diabo.

— Ela te fez alguma coisa? — me inclinei pra frente.

— Diretamente não. Mas eu já presenciei umas atitudes arrogantes dela. Algumas fatalidades servem pra fazer as pessoas perceberem seus erros, mas no caso daquela menina, só serviu pra fazê-la piorar.

— É, eu concordo. — ri de nervosismo.

— Querida, você não tem que se culpar por isso, entendeu? — ela tocou na minha mão.

— Tô tentando, isso eu garanto. Mas... — senti um nó na garganta. — acho que preciso de ajuda psicológica. Desculpa, eu não quero te envolver nos meus problemas.

— Não tem problema. Pode falar.

Contei o que achei necessário — e o que consegui. As reações da dona Carmelita foram sensatas e não exageradas. Me senti acolhida.

— Antes de fazer qualquer coisa, eu preciso falar pra ele. — concluí.

— Falar o que, exatamente?

— Que eu sinto muito. Que me arrependo e não vou desistir da minha felicidade. Porque ele faz parte dela, agora.

— Que lindo, Rosa. — a mulher sorriu. — Eu te apoio. Vocês merecem um ao outro. São adoráveis juntos.

— Como a senhora sabe? — juntei as sobrancelhas.

— Uma vez o Gabriel veio aqui, não sei se ele te contou. Conversamos e ele mencionou você.

Automaticamente me lembrei das mensagens que ele me mandou, contando.

— ...E como foi? — perguntei um pouco tímida, meus ombros encolhidos.

— Ele gosta tanto de você, querida... — ela mexeu no meu cabelo, delicadamente. — Disse que te acha muito forte, criativa, talentosa. Falou que por ele, vocês sairiam todo dia e fariam mil programas divertidos.

— Nunca vi uma pessoa assim, tão pra cima. Chega à ser contagioso, ele me fez ver certas coisas de outra forma. — olhei pra baixo, mordendo o lábio.

— Isso é bom.

— É, sim. — dei risada, mas logo fiquei séria novamente. — E pensar que fui uma idiota na última vez que nos falamos. Não vou estranhar se ele não quiser mais me ver.

— Não, esse garoto parece ser maduro. Justo. Com certeza entendeu seus motivos, e se não entendeu, tá se esforçando pra entender.

Terminamos de comer e depois assistimos a novela que dona Carmelita tanto gosta. Ela passou longos minutos me contando toda a história, e eu escutei tudo como se quem falasse fosse minha avó.

Ela conseguiu me acalmar. Engraçado, agora surgiu um "depois". Algo à ser alcançado, o que não me preocupa tanto mais. Se daqui pra frente for assim, ouso dizer que posso acabar gostando.

coração inválido [mount]Onde histórias criam vida. Descubra agora