parte 22.

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Estávamos Isadora e eu sozinhas em casa. Eu fiz algo simples pro jantar e nós sentamos em lugares distantes na mesa. Tentei não olhar minha irmã enquanto comia, mas não me contive em tentar perceber o que ela pudesse estar pensando.

— Nossa, que silêncio... — ela comentou enquanto mastigava. — Você ainda tá aí?

— Por que não come calada? Já não fez o bastante? — resmungo, revirando os olhos.

— Nada é o bastante. Você merece muito mais. O mínimo que podia fazer por mim depois de me cegar, você não fez.

— Mas que saco! Pela milésima vez, não vou fazer isso. Ainda mais agora, que você destruiu a única coisa que eu tinha. A única maldita coisa que me fazia ter forças pra levantar da cama todo dia e encarar essa merda de mundo...!

— ...Bom, Rosa, você tem sorte. — ela sorriu.

— Por que?

— Sobraram três páginas. Essas eu não destruí. Sabia que podiam ser úteis em algum momento...

Nesse momento eu congelei. Abri a boca várias vezes, na tentativa de dizer as palavras certas que à convencesse de me entregar. Eu faria tudo por essas míseras três páginas.

— Tá brincando, né? Por que você faria isso?

— Você quer, não quer? — Isadora mordeu o lábio, ambiciosa.

Levantei bruscamente e fui correndo pro quarto. Começo à revirar as coisas dela, procurando o que é meu. Em pouco tempo, a garota entra, caminhando tranquilamente com sua bengala.

— Não tá aqui, óbvio. Vasculhe a casa inteira, se quiser, porque não vai achar. Coloquei num lugar seguro e protegido. Mas posso trazer pra você o quanto antes, isso se...

— Se o quê? — me distanciei da cama dela e observei minha irmã sentar na mesma.

O jeito que ela se aproveita das pessoas é nojento e desgastante. Tanto que me faz querer quebrá-la na porrada. Mas isso seria visto como uma atitude antiética para os outros, talvez?

Ninguém se importaria com o que ela fez pra mim, e sim com o fato de eu ter agredido uma incapaz.

— Você sabe, Rosalinda.

Fiquei com tanta raiva que fechei meus punhos pra tentar fazer minhas mãos tremerem menos. À princípio, pensei que ela estivesse mentindo. Como ela esconderia as páginas longe?

Talvez algum amigo ou amiga dela. O círculo social dessa desgraçada sempre foi gigantesco.

— Por que é tão obcecada com isso? Sério, Isadora. Você é mais doente que eu. — balancei a cabeça em negativo.

— Sem drama, vai. Qual é a dessa resistência toda? Cê só vai voltar à ser a anti-social de sempre.

— Ele não vai se reaproximar de você por causa da minha ausência.

— Isso não é problema seu. — ela rebateu. — Se afaste dele, não o veja mais. Se ele te procurar, diga que não quer mais ser sua amiga e pronto.

— Isa-

— E nem pense em me enganar. Apesar de viver no escuro, eu consigo enxergar certas falsidades. Então, minha querida, você tá sem saída.

— Eu te odeio! — exclamei de insatisfação.

— Faça o que é certo, Rosa. Suas páginas de baboseiras devem valer mais que um cara qualquer, né? — ela saiu mais calma do que entrou.

Afundei minha cabeça no travesseiro e gritei. Que merda eu devo fazer? Como agir num momento desses? Eu quero tanto essas páginas, nem que seja pra ler uma última vez.

E o Gabriel...ele tem se mostrado tão compreensivo, carinhoso, um amigo de verdade. Alguém que querendo ou não, me causa sensações únicas. Nunca conheci uma pessoa assim.

coração inválido [mount]Onde histórias criam vida. Descubra agora