parte 20.

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"Sozinha no quarto
Sozinha na sala
Sozinha no corredor
Minha face exala
(Tristeza...)"

Lembrei desse meu pedaço de poesia quando Isadora chegou em casa aos berros, querendo me bater.

— Pelo amor de Deus, não comecem! — nossa mãe pediu, com suas mãos nos ombros da filha mais velha, que ainda estava fora de controle.

— Foi ela que começou. — falei, ainda sentada no canto da mesa.

— Mãe, olha pro cinismo dela! — Isadora começou à chorar assim que sentou-se distante de mim, graças à insistência de Ivana. — Rosalinda, confessa que foi você que disse pra ele acabar com a nossa amizade!

— Ele fez isso porque ele quis. — respondi, meu tom ainda "calmo".

Por dentro eu tô pior que ela.

— Até parece...! — a garota desabou em lágrimas.

— Vocês só brigam desde que esse menino se mudou pro prédio. Tô começando a desejar que ele suma. — minha mãe falou, bufando.

— Não, mãe. Nunca fomos amigas ou confidentes. Isadora piorou porque ela é possessiva. Egoísta, melhor dizendo. Mas tudo bem, agora que o Gabriel finalmente tomou uma atitude, as coisas podem voltar ao "normal". Se é que um dia foram... — falei no automático, sem pensar direito.

— Rosa, por favor, não provoque. — Ivana me repreendeu.

— O quê? — juntei as sobrancelhas.

— A sua sorte é que eu não enxergo. Senão, você-

— Isadora, chega! Quero que parem, imediatamente!

— Para, mãe! — minha irmã gritou de volta, e um segundo depois, meu pai adentrou o apartamento.

— O que tá acontecendo aqui? — ele colocou suas coisas no sofá e veio até nós.

Bom, até elas.

— Eu te explico depois. Por enquanto, acabamos essa discussão. — minha mãe respondeu, respirando fundo.

— Eu vou pro meu quarto. — Isadora pegou sua bengala e caminhou do jeito de sempre até o cômodo.

Pela primeira vez em muito tempo, me senti sortuda. Do jeito que conheço aquela garota, sei que ela acabaria comigo se não fosse cega. Já brigamos fisicamente, anos atrás. Várias vezes. Em grande parte delas por coisas superficiais, tipo atenção dos outros.

No fundo eu sempre fui a esquisita, e mesmo assim ela demonstrava incômodo pela aproximação mínima das pessoas. Pessoas essas que idolatravam ela. Não consigo entender essa merda!

— Vou te fazer um chá, você parece tenso. — Ivana depositou um beijo no rosto do marido, o que me fez inconscientemente revirar os olhos e sair.

Já fora do apartamento, caminhei até a janela no fim do corredor. Alto o suficiente pra morrer com uma simples queda. Geraria boatos, claro. "Ela foi jogada?", "Ela se suicidou"?

Caramba, minha mente é sombria.

— Rosa-

— Ai! — me virei bruscamente e dei de cara com Gabriel. — Que susto, seu idiota! — dei um tapa em seu ombro, ele também se assustou.

— Nossa, a vista tava te distraindo tanto assim? — ele acabou gargalhando.

— Não era exatamente a vista, e sim... — olhei em seus olhos azuis e paralisei. — Esquece. Não tô legal.

— Isadora não reagiu bem?

— Era óbvio, né?

— Bem que eu estranhei a tranquilidade dela quando eu falei o que tinha pra falar.

— Ela surtou completamente. Me senti até um pouco normal ao vê-la naquele estado.

— Isso não é bom. Você sabe, né? — ele ajeitou a alça da minha blusa que caía.

— Nada mais é bom. — desabafei, olhando pra baixo.

— Rosa, eu tento não me meter, pra não te aborrecer. Mas eu tô muito preocupado... — Gabriel se aproximou, o que fez meu coração acelerar.

Ele pôs a mão em meu ombro, e eu inclinei a cabeça pra observar aquilo.

— Não precisa. Sério. — afirmei com incerteza e ele suspirou, creio que procurando o que dizer. — Será que podíamos, é...

— O quê?

— Talvez...brincar no parquinho? — sugeri, mordendo o lábio de insegurança.

— Ora, ora, alguém mudou de ideia. — o garoto sorriu em provocação. — Claro que podíamos. Podíamos e vamos.

— Então melhor irmos logo, antes que eu mude de ideia, né? — brinquei o puxando pelo pulso.

coração inválido [mount]Onde histórias criam vida. Descubra agora