parte 54.

611 62 4
                                    

— Ele não respondeu mais, querida? — dona Carmelita perguntou antes de me servir um pão de queijo.

— Não. Com certeza já desistiu. — disse em sarcasmo, mas morrendo por dentro.

— Duvido. As coisas vão se acertar, Rosa. Confie. — ela se sentou ao meu lado e bateu levemente na minha coxa.

— Eu sou estranha. Preciso voltar à terapia. — mastigo enquanto reflito.

— Todos precisamos. — ela gargalhou. — Você não tá escrevendo um livro?

— Tô.

— Quando ganhar seu dinheirinho com as vendas, marque uma sessão.

— E se não vender?

— Ô pessimismo! Vai vender sim, senhorita. — a mulher resmungou.

— Tá bom. — ri baixinho.

Conversamos um pouco mais sobre nossas rotinas, trabalho e outras coisas relacionadas ao livro. De repente me veio uma inspiração repentina.

— Tudo bem? — ela reparou minha expressão mudando.

— A senhora tem papel e lápis?

— Tenho sim. Vou buscar.

Quando dona Carmelita voltou e me entregou os materiais, eu respirei fundo antes de começar. Não liguei se ela estivesse vendo, permaneci confiante em escrever.

Gosto de romances trágicos, acabáveis e impossíveis ao mesmo tempo. Saudade, tristeza e paixão.

"Pouquíssimas coisas conseguem descrever como me sinto. Sem seu carinho, seu beijo. Suas mãos macias e ao mesmo tempo ríspidas tocando cada parte do meu corpo. Se faz só dois anos, por que parecem duas décadas?

Mais um dia trabalhando feito uma louca pra pagar minhas contas, os pacotes de chá e meu curso de desenho. Coloco as chaves na escrivaninha da sala e passo minhas mãos pelo meu cabelo oleoso.

Deito a cabeça no encosto do sofá e fecho os olhos lentamente. Sem querer, uma lágrima de sono escorre pelo canto do meu rosto até minha orelha. Kevin, você disse que tudo ficaria bem. Mas quando?

Após uns minutos de reflexão intensa, decido deixar a preguiça de lado. Caminho com minha toalha até o banheiro e ligo a água quente. Desprendo meus fios da pequena trança que fiz mais cedo e me observo no espelho.

Foi o banho mais relaxante em meses. Quase me esqueci do prazer que é me lavar por inteira. Após o ritual de higiene, visto meu vestido de tom azul escuro meio acinzentado e volto pro sofá com meu laptop em mãos.

Ligo o aparelho e faço uma pausa pra preparar meu chá favorito. Era o seu também. Claro que não. Você sempre reclamava do sabor, comparava com vinho vencido e depois passava quase meia hora exaltando o seu clássico café sem açúcar.

Bebo enquanto checo meus e-mails. Como sempre, nada pessoal, apenas coisas do trabalho, ou algo relacionado à aplicativos de celular.

— Merda... — murmuro ao notar o estado do meu pobre laptop.

Velho e gasto. Não sei como ele ainda aguenta tantos arquivos. Foi você que comprou, lembra? Espero que devido às circunstâncias, sua memória tenha melhorado, Kevin."

Pra metade de um primeiro capítulo, até que ficou bom. Li em voz alta pra dona Carmelita e ela arregalou os olhos espantada.

— O Kevin morreu?

— Talvez... — disse misteriosamente.

— Rosa, esse tem que ser seu próximo livro. Juro que vou ser a primeira à comprar.

— Quem sabe. — sorri.

Só continuarei essa história depois que me resolver com o Gabriel. Isso se isso acontecer.

Tomara.

— Bom, vou levar isso pra pia. — ela pegou os pratos e caminhou até a cozinha.

Me encostei no sofá e lembrei de quando nos conhecemos. Tão aleatoriamente, mas se pensar bem, foi uma baita coincidência.

Eu podia ter esbarrado em qualquer pessoa, mas ocorreu justamente com o morador novo. E que bom que foi assim. Não me arrependo de nada que fizemos juntos. Tudo valeu à pena.

Se não fosse por ele, eu ainda estaria perdida em meus próprios sentimentos, acorrentada no meu quarto, planejando coisas destrutivas à mim mesma.

coração inválido [mount]Onde histórias criam vida. Descubra agora