Capítulo 4

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Clara abriu lentamente seus amendoados olhos de um verde profundo e o viu no cenário familiar do antigo aposento de seus pais e mais recentemente pertencente ao tio e à esposa.

O rosto era bronzeado pelo sol, com espessas sobrancelhas, lábios finos e nariz proeminente, levemente curvado, que lembrava o bico elegante de uma grande ave. Era um homem muito bonito, que causava a impressão de termos encontrado o que há muito estávamos à procura.

Apesar da expressão sisuda, sua fala era educada e gentil, pronunciando as palavras com um sotaque leve. Não conseguia compreender as palavras individualmente, mas parecia que ele lhe explicava algo e sabia seu nome.

Fechou os olhos cansados. A imagem dele ficou ali, sendo registrada pela memória e o coração.

Todo o seu corpo, mesmo imóvel, doía. Sua última lembrança era a de estar acorrentada no porão daquela casa por mais de dois dias, vivendo com apenas a água que o tio jogava sobre ela. Depois, subitamente pararam de visitá-la e ela desmaiou.

Sentiu as mãos fortes e suaves daquele anjo moreno nas suas e abriu novamente os olhos. Ele estava mais perto e sorria. A expressão séria havia desvanecido no carmim dos lábios e na brancura de seus dentes. Mas, de todos os anjos que já vira em gravuras, existia algum com a pele bronzeada?

Nunca vira alguém tão bonito. É verdade que não conhecia muitas pessoas, pois sua vida era limitada aos arredores da casa e aldeia. As pinturas dos livros não mostravam pessoas como ele, anjos como ele. Mas Clara tinha certeza de que vira bondade naquele olhar.

Estava morta e ali era seu Céu e um anjo cuidava de seus ferimentos. Quando ela se sentisse mais forte, com certeza o anjo moreno a conduziria às bibliotecas celestiais onde ela passaria a eternidade estudando ao seu lado. Sempre juntos.

Ouviu uma voz conhecida e desviou seus olhos dos de seu anjo moreno. A luz do sol, que os atravessava, dava-lhes um tom de mel.

Era Sophia. Sentiu a mulher encostar uma das mãos em sua testa.

- Ela continua gelada. Não há cobertores no mundo que a aqueçam!

Clara compreendeu finalmente cada palavra e toda a frase. Se, em vida, ela tivera uma temperatura corporal baixa, com mãos e pés sempre frios e arroxeados, imagina agora, morta, como pensava estar.

- O doutor Cem disse que ela está estável. Que provavelmente a temperatura normal de seu corpo é mais baixa do que os demais.

A voz do anjo era grave, profunda, calma, pausada e agradável. É claro que ele sabia sobre a friagem de sua pele pálida. Ele conhecia todos os seus segredos. Tocou de leve em seus cabelos, como se fossem asas de uma borboleta.

- Descanse Clara. Está tudo bem.

E ela adormeceu novamente. Estava tudo bem. 

O SULTÃO E A PRISIONEIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora