Capítulo 5

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Todas as manhãs e noites Metim ia ver Clara e aguardar que ela despertasse daquele coma; quando, pela primeira vez, viu aquele olhar verde profundo, mergulhou e perdeu-se nele.

Ao alvorecer, ela olhava ao redor com as pálpebras semicerradas devido à claridade, e à noite, sob o tremular das chamas das velas. Um olhar sempre distante, mas não quando pousava seus olhos nos dele. Só aí concentrava-se e os olhos pareciam sorrir.

Metin sabia que deveria partir dali o quanto antes e cumprir a missão lhe dada pelo tio; porém, só partiria quando Clara pelo menos começasse a comer.

O príncipe procurava conversar com ela, contando-lhe sobre como a encontrara e o que fazia por ali. Falou-lhe resumidamente de sua vida, até mesmo de sua mãe, algo pouco comum para ele, pois preferia guardá-la dentro de si. Tomava sempre o cuidado de esperar Sophia sair para então, falar à jovem.

- Shezade - disse-lhe certa manhã o doutor Cem - não podemos mais adiar nosso retorno à Istambul. Ela já está comendo, ainda que bem pouco. - O médico afeiçoava-se mais e mais ao filho do sultão. Queria lhe contar coisas que ouvira e vira antes da partida para aquela missão, mas queria fazê-lo já em casa. Por isso, lembrara a Metin da necessidade da partida.

- Você tem razão - respondeu o príncipe.

O jovem dirigiu-se à um dos dois soldados e ordenou:

- Quero que providenciem uma carruagem ou carroça para transportarmos Clara.

- Ela irá conosco? - o médico previra o fato, mas não queria acreditar que realmente aconteceria.

- Sim. Sophia e Turgut ficarão na casa para cuidar de tudo e protegê-la contra invasores. Mas Clara irá conosco e ficará em Topkapi comigo.

- No Harém? - perguntou e logo se arrependeu de ter feito a indagação.

- Ela não é uma prisioneira de guerra. Será minha convidada no palácio até quando quiser.

Doutor Cem percebeu que Metin estava enamorado da jovem. Vira desde o momento em que a tomou, imunda e mal cheirosa em seus braços. Nos cuidados, nos gestos, nos olhares. O sultão não iria gostar nada disso.

Centenas de mulheres estrangeiras, espólios de guerra, ocupavam um pavilhão dentro do Topkapi. Eram as mulheres do sultão e filhos, mas Metin nunca as requerera.

O terceiro filho do sultão passava seus dias nos salões de administração e contabilidade do palácio, estudando e organizando tudo o que dizia respeito ao império Otomano. Mesmo quando se exercitava com os soldados ou os acompanhava em pequenas missões guerreiras, não abandonava seus registros. Era tão habilidoso com a espada como com a pena.

Com a desculpa de que o primo estava roubando os tesouros reais, o que não deixava de ser verdade, seu tio lhe dera aquela missão, mas o sultão e o irmão de seu pai queriam na verdade, afastar o príncipe por algumas semanas para que pudessem fazer alterações nos livros que ele conferia com esmero. Além disso, pretendiam negociar seu noivado com a filha de algum nobre da corte, o que de bom grado o rapaz não aceitaria. Mas quem sabe se surpreendido, não cederia?

- Ele é como a mãe - confidenciou um dia o sultão ao médico Cem. Não gosta que mandem nele e quer fazer tudo do seu jeito. Chega a ser irritante essa sua mania de fazer tudo como a lei manda!

Cem sabia do destino da mãe de Metin. Como o sultão, sem mostrar nenhuma clemência a uma de suas concubinas, a enviara à prisão com a denúncia de um dos eunucos de que ela havia traído ao rei.

O menino não vira a mãe ser decapitada, mas a visitara algumas vezes na prisão, escondido de todos, indo com o mestre do doutor Cem, à cela no palácio.

Antes mesmo da execução, Metin fora enviado à outra região do Império Otomano e lá ficara, voltando há alguns anos, já homem, para Istambul.

Doutor Cem e toda corte notavam a diferença entre ele e seus dois irmãos mais velhos, filhos do sultão com sua esposa real. E, se pudessem ser consultados eles e o povo, com certeza, beijariam as mãos do terceiro filho do sultão, herdeiro por merecimento.

O SULTÃO E A PRISIONEIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora