Capítulo VII

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Depois que o açougueiro foi embora, Heinrich não foi dormir, ele andou até o quarto de Frieda e checou a condição das meninas. Erna sofreu uma concussão leve e estaria bem fisicamente no dia seguinte, Frieda havia esgotado boa parte da sua estamina, nada que uma boa noite de sono e café da manhã reforçado não pudesse melhorar um pouco, ela ainda não estaria cem por cento, mas ficaria bem o suficiente para coisas do seu contidiano.

O Meister foi para a varanda levando uma das cadeiras de madeira da sala consigo, na outra mão levava a guan dao,  posicionou a cadeira voltada para a porteira na frente da casa e se sentou, o homem estava exausto, mas não dormiria aquela noite. Heinrich estava atento a tudo, a qualquer cheiro diferente, a qualquer som suspeito, a movimentação das plantas ao seu redor, de tempos em tempos ele se levantava da cadeira e ia checar nos arredores da casa, haviam duas crianças despertas lá dentro, e dois Haidu foram mortos na praça, não seria estranho se mais deles aparecessem para verificar o que aconteceu. O homem estava exausto, usar orações simples, ou seja, aquelas que não se faz uso de armas sagradas, consome muita estamina, na posse de sua arma uma luta contra dois daqueles Haidu de classe cinco não seria problema para alguém que é Meister, mas além de não ter sua arma sagrada em mãos ele está ficando velho e o tempo cobra o preço da vida roubando sua estamina.

A manhã finalmente chegou, o orvalho deu seu beijo molhado nas folhas das plantas e algumas flores sorriram em resposta.  As meninas logo acordariam, então Heinrich voltou para dentro da casa a fim de preparar um café forte, mas que fosse fácil de digerir, acabou por fazer um caldo que seria servido com pão. 

Frieda já havia despertado a algum tempo, mas não se levantou da cama, em vez disso ficou ali deitada de lado olhando pacientemente para Erna que dormia profundamente. Passaram-se cerca de duas horas desde o momento em que Frieda acordou e Erna finalmente começava a abrir os olhos, ela estava naturalmente desorientada, quem não ficaria depois de entrar forçadamente num sono profundo? A menina piscou um pouco ao perceber que Frieda estava na sua frente, ela também estava deitada de lado. As duas ficaram se encarando por um momento enquanto Erna tentava compreender o que fazia ali num quarto que não era o seu, deitada ao lado de sua amiga Frieda. A medida que tetava se lembrar de como havia ido parar ali, memórias da noite anterior lhe acertaram como um forte golpe, um nó se formou em sua garganta,  rapidamente ela começou a se levantar e a descer da cama de forma desajeitada, Frieda fez o mesmo enquanto a observava com sua expressão de sempre. Erna saiu do quarto as pressas, Frieda a seguia caminhando lentamente, a garota chegou até a sala eufórica, Heinrich estava na cozinha interna e a viu parar no meio da sala desnorteada.

- Erna? - Chamou Heinrich. Era chegada a hora de contar a menina coisas que a marcariam pra toda a vida.

A garotinha olhou na direção de quem a chamava, seu cabelo estava bagunçado e sua roupa toda amassada, naturalmente ela não colocou os sapatos quando desceu da cama.

- Sr. Heinrich... - Reconheceu ela. - Onde está o papai? -Inqueriu aflita.

O silêncio no ambiente era sepulcral, combinava perfeitamente com a ocasião fúnebre.

- Erna, eu... - Ele saiu de detrás do balcão e caminhou até ela, mas antes de alcançá-la parou ao perceber que não sabia como dizer aquilo.

Não existe jeito fácil de falar para um pai ou mãe que o filho deles morreu, do mesmo modo, não existe jeito fácil de dizer a uma filha que seu único parente já não vive mais. Heinrich aprendeu do jeito difícil que quanto mais você sente é pior pra você e que ainda que seja puro egoísmo, o melhor a se fazer é não se apegar a nada nem a ninguém, o melhor a se fazer é não desenvolver afeto, mas desde que ouviu o sussurro de uma criança que não desejava mais viver quando caminhava em um mercado negro, desde que atirou aquela moeda de ouro, ele simplesmente não tem conseguido controlar o quanto sente. As pessoas daquele vilarejo são como família para ele, eles o aceitaram sem julgamentos e sequer tentaram revirar seu passado, na noite anterior vários deles perderam suas vidas e dentre eles seu amigo próximo foi brutalmente assassinado sem que ele pudesse fazer nada, ele nem teve tempo de processar tudo e só agora parado diante daquela pequena órfã foi que ele pôde constatar o quanto sentia muito, no fim eles eram todos humanos, com poder ou sem, todos são humanos. Seu corpo se lembrou da exaustão e ele caminhou cambaleante até a cadeira mais próxima, "preciso ser forte", ele pensava. Heinrich olhou para Erna outra vez.

Wanderfalke: A batalha contra os Haidu.Onde histórias criam vida. Descubra agora