Capítulo 14 - Melissa

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Quase perdi a hora para acordar naquela terça-feira. Meu sono havia sumido e fiquei vendo filme até tarde da madrugada. Em compensação, saí sem tomar café da manhã. E quase perdi meu ônibus.

- Bom dia, mocinha. – cumprimentou o motorista simpático.

Ufa, ainda bem que naquele dia era o motorista simpático, porque o outro não iria me esperar. Pelo contrário, ele olharia pelo retrovisor e me veria esbaforida correndo, e meteria o pé no acelerador. Aquele vivia de mau humor.

Já o motorista simpático era bem simpático.

- Bom dia! Valeu por me esperar. – e fui entrando, recuperando o fôlego. Passei pela roleta e sentei na frente, bem próxima ao cobrador.

- De nada, mocinha. E aí, pronta para cozinhar hoje? – continuou ele, um pouco mais alto para que eu escutasse.

Pode ser que eu tenha dito a ele um pouco da minha vida.

- Com certeza. É o que eu amo fazer.

- Eu e o Pingo aí seremos seus primeiros clientes, quando abrir aquela confeitaria.

Pingo era o cobrador. Do mesmo tamanho que eu. Sua cabeça era tão arredondada que parecia um pingo gigante. Acredito ser esse o movido do apelido.

- Xi, acho que vai demorar, mas com certeza serão bem vindos. Vou fazer aqueles sonhos com geléia de amora que vocês gostaram. – respondi sorrido. Eu amava cozinhar para as pessoas. Me sentia encantada.

- Nossa, menina. Assim você vai me engordar mais ainda.

E continuamos conversando até que eu descesse. Aquela seria uma boa manhã, conforme disseram o simpático motorista e Pingo. Eles sempre me encorajavam, pelo menos duas vezes na semana era assim, quando eu os encontrava. Eles elevavam minha autoestima dizendo que eu cozinhava bem.

Quando cheguei ao Cheiros e Sabores, George estava uma fera com o novo confeiteiro. Ele havia preparado a receita toda errada. Conclusão: o mousse de três cores havia se misturado todo, formando uma cor apenas, um cinza estranho.

- Melissa, graças a Deus. Ed é uma naba! – vociferava ele, assim que larguei minha bolsa e amarrei o avental no pescoço e na cintura.

Naba para George era o mesmo que "pastel", "panaca", "esmiolado" essas coisas. E esse era o adjetivo carinhoso que George encontrou para definir Ed, o novo confeiteiro. Se bem que um mousse de três cores não era difícil de fazer. Aliás, era incrivelmente fácil se soubesse o ponto e qual marca de produto a ser usado.

Fui ver o estrago. Realmente, a aparência daquele mousse estava desastrosa. Ninguém ia querer comer aquilo, por mais que estivesse bom, e estava, pois eu o provei.

- Mas eu fiz conforme a receita! Não foi minha culpa. Eu apenas dei meu toque especial. Mas, com certeza, não foi isso. – retificou Ed, assim que George começou a mudar de cor.

- Mas que maldito toque especial! Você só tinha que seguir a maldita receita! – rosnava meu chefe.

George não se entendia com nenhum confeiteiro, desde que o seu de confiança se aposentara. A maioria das receitas doces eram dele. E algumas minhas. O bom do meu trabalho era isso, a versatilidade e a autonomia que eu conquistei. George confiava em mim e no meu bom gosto culinário.

No começo havia sido difícil. Ele demorou uns três meses para confiar em mim. Afinal, eu era uma recém-formada com vinte e dois anos. Mas então ele começou a ver o meu esforço e dedicação com os pratos. Não vou mentir, aguentei poucas e boas com meu chefe, que não era calmo. Mas venci e estava naquele momento sendo supervisora de um confeiteiro de trinta e cinco anos. Acho que Ed não gostou muito de mim por isso.

Um Brinde a AmizadeOnde histórias criam vida. Descubra agora