Capítulo 50 - Alice

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Eu estava chocada com tudo que aconteceu na mansão. Principalmente depois que meu pai contou mais detalhes sobre a morte do filho do amigo. Como ele viu a dor nos olhos do amigo, também médico, como ele sentiu aquela dor no peito em si, ao pensar que algo podia acontecer comigo e ele nem saber.

Existem pessoas que só dão valor quando perdem. Meus pais eram assim. Mas, por obra do destino, eles não precisaram perder de fato e sim presenciar o luto por outros. Mas aquela história era demais para a minha cabeça, então precisei sair da mansão, com Alfredo a tira colo.

Mas antes de sair da frente deles, meu pai chegou perto, tocou meu braço delicadamente e disse:

- Alice, sei que você sabe se virar sozinha. Parte de mim se orgulha de você por ter amadurecido tanto, mas sei que parte disso foi devido ao nosso descuido, e disso, eu não me orgulho. Se tiver qualquer coisa que eu possa fazer por você, é só me falar. E... por favor, não se afaste muito. – uma lágrima pequena e silenciosa escapou de seus olhos, no mesmo instante em que ele se virou e saiu para a biblioteca.

Meu pai chorando? Corram pras colinas! Desde quando meu pai chorava? Quando pequena eu vivia imaginando o que eles dois tinham no canal lagrimal. Uma das hipóteses era café, pois eles viviam tomando café por onde andavam. Já mamãe podia ser também cigarro, porque vivia com aquilo na boca.

Mas, por mais bizarro que possa parecer, era lágrima mesmo. Nada marrom e sim incolor, como lágrima legítima. Eu não queria acreditar, mas talvez aquela morte tenha tido mais significado do que ele esboçou na minha frente.

Aquela não foi a única diferença que vi naquele fim de tarde. Minha mãe, antes de entrar, soltou uma arfada forte no ar e me jogou um molho de chaves, que eu peguei e logo reconheci aqueles penduricalhos todos. Era o meu molho de chaves. Ele abria para todas as peças da casa, inclusive o porão, que eu jurava que era mal assombrado quando mais nova. E mais velha também.

- Creio que isto seja seu. – foi o que disse.

E saiu em seguida. Ela não percebeu, mas, sem querer, eu vi um leve sorriso no canto de sua boca fina, antes que ela se virasse por completo. Não era seu sorriso sarcástico característico, e sim um mais autêntico. Como se tivesse feliz em me entregar o objeto que anteriormente sempre esteve em minhas mãos. No fundo, ela pensava igual ao meu pai sobre mim. Pelo menos a minha parte ainda infantil gostaria de acreditar nisso. Mesmo que minha mãe nunca dê o braço a torcer, e confessasse os seus sentimentos, não me importava mais. Pelo menos meu pai reconheceu os seus erros. Logo ele, o todo poderoso.

- Mana-Lice, olha o eu fiz! – Alfredo me despertou do devaneio, e logo o cenário mental mudou. Da mansão para o parquinho. Ele estava tentando montar um castelo de areia, algo que sujaria sua roupa inteira e faria mamãe retirar aquele molho de chaves ainda em minhas mãos.

- Muito bem, Alf! – disse eu, me sentando na beirada da caixa de areia.

Meu celular começou a tocar e eu atendi.

- Alice, graças a Deus! – exclamou uma voz apavorada na outra linha. – Fui pegar Victória para ficar um pouco com ela e... – ele abaixou mais a voz, de modo que tive que apertar mais o celular na orelha. – não sei o que fazer com ela.

Eu comecei a gargalhar longe do telefone para que ele não ouvisse. Eu estava imaginando um Adrian totalmente sem ação, olhando para a menina que o encarava com expectativas. Não tinha como não rir numa hora dessas. Eu sabia que era errado rir numa situação dessas, mas não tinha controle das minhas emoções.

- Não tem graça! – sua voz passou do desespero para a rabugice em dois segundos.

- Claro que tem. Mas ok, vou te ajudar.

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