Capítulo 38 - Alice

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DOIS ANOS DEPOIS


Dois anos se passaram e eu ainda ali, em seu apartamento, escolhendo a melhor camisa para que Adrian usasse na premiação daquela noite. Ele estava uma pilha de nervos, nem conseguia distinguir que colocara sapatos diferentes para trabalhar naquela tarde. Mesmo nervoso, meu chefe era um gênio e sabia como administrar sua editora como ninguém. A Krathus tinha pouco tempo de mercado – apenas sete anos – mas era considerada uma das melhores da cidade, se não, do país. E por isso, foi convidado para discursar na premiação de melhores empreendedores jovens da atualidade. Bem, Adrian não era mais tão jovenzinho assim, pois já tinha trinta e dois, mas, mesmo assim, para sua posição e tudo que fizera para erguer a editora desde o chão, ainda era considerado jovem. Um jovem brilhante, como já o vi chamarem.

Quem conseguiria abrir uma editora aos vinte e cinco anos? Observe, eu estava com vinte e quatro e continuava no mesmo cargo. Ah não, mentira. Fui promovida – informalmente – de secretaria executiva para assistente pessoal. O quê? Você pensou que eu estava mexendo no closet do meu chefe porque, no fim das contas, havia ficado com ele? Não, né. Em dois anos minha vida não havia mudado muita coisa. Mas o que você esperava? Era a minha realidade, não uma mera ficção. Nos filmes/livros/séries eu estaria namorando Adrian, seríamos felizes juntos e eu teria coragem de pedir demissão como assistente executiva e pedir para que ele me colocasse na minha área, na contabilidade. Afinal, eu havia me formado para isso. Continuando no sonho, eu estaria ganhando muito dinheiro e já teria readquirido meu carrinho vermelho. Meu bebê. Meu preciso.

Só que não. Como a prestação do meu apartamento era muito alta, Melissa e Sarah vieram morar comigo. O apartamento era daqueles antigos, grandinho, com três quartos, um banheiro e um lavabo. Algumas rachaduras nas paredes decoravam nosso humilde cafofo. Isso fazia o que? Um ano? Acho que sim.

O lado bom de morar lá era que ficava a quatro quadras da rua onze, onde trabalhávamos ainda. Relativamente perto também da casa de Sarah, onde frequentávamos quase toda semana. Portanto, ainda tínhamos nossas roupas no guarda-roupa pequeno de Sarah. Tem coisas que nunca mudam.

- Alice! – gritou Adrian, com a voz abafada, de dentro do banheiro, onde ele estava. – Eu esqueci a minha toalha no quarto, pode pegar pra mim?

Misericórdia. Por onde andava meu autocontrole? Eu precisava usá-lo toda vez que fatos como aquele aconteciam. Não eram muitos assim – do tipo, Adrian pelado num chuveiro, quero dizer –, mas alguns fatos ocorriam. E eles me causavam uma descarga elétrica. Como, por exemplo, ter que ajeitar sua gravata torta, vê-lo derramar café na camiseta branca e, para não manchar, ele tirava a mesma, colocava outra e me pedia para mandar para a lavanderia. Ou almoçar só nós dois em um restaurante chinês, incrivelmente apertado, porque saíamos muito tarde da editora e ele, como legítimo cavalheiro, bancava tudo e se desculpava daquele seu jeito desconfortável. Coisinhas desse tipo, sabe.

- Já pego. – gritei de volta, finalmente escolhendo a camisa social que eu mais amava.

Uma camisa azul-claro, quase lavanda, com botões em preto, combinando com detalhes da gola e os punhos em preto também. Ele ficava um gato com ela, e eu apreciaria aquilo tudo em primeira mão.

Deixei-a em cima de sua cama – um pouco bagunçada para meu gosto, mas que daqui a pouco eu iria arrumá-la, porque haha era minha função, declarada por mim mesma. O apartamento de Adrian era luxuoso, mas não muito grande. Existiam apenas dois quartos, sendo que um deles, ele nunca entrava, para não desorganizar como fazia com o restante do lugar. Além do mais, era o quarto destinado a sua sobrinha, quando ela vinha dormir com o tio, o que acontecia com certa frequência. E ele não queria desorganizar as coisas dela. Mal mexia, apenas a faxineira limpava quando vinha. Porque sim, Adrian era bagunceiro, em seu lado pessoal. O que tinha de meticuloso em seu lado profissional, ele descambava no zelo de sua casa. E eu me via na obrigação de tentar organizar a coisa toda, como lavar a louça, retirar o lixo, dobrar suas roupas ou colocar para lavar e depois secar, passar e dobrar.

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