Capítulo 44 - Alice

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Em pleno começo de semana, e eu parecia estar indo para o meu juízo final. Caminhando de cabeça erguida – pois eu não tinha costume de andar de cabeça baixa, mesmo tendo motivos para isso –, porém em passos mais lentos do que de costume, rumo a editora Krathus. Vamos ser realistas, Adrian não podia me demitir por ter dado um beijo em seu rosto, certo? Tudo bem que existia uma palavra chamada assédio, mas não era o caso. Ou pelo menos eu gostava de pensar que não. Porque eu, inclusive, pedi desculpas. O que era completamente irracional da minha parte, admito, sendo que eu não havia beijado qualquer cara, e sim meu chefe.

Pensando seriamente no assunto, enquanto eu me encaminhava pra forca, eu podia muito bem argumentar de um jeito mais adulto. Mais maduro. Podia muito bem culpar o álcool. E foi justamente o que bebemos na festa da premiação, espumante. Seria um argumento perfeito, visto que o álcool servia para deixarem as pessoas mais soltas e propensas a fazerem merda. Essa seria minha alegação, caso ele me pressionasse. Contente comigo mesma, me apressei e entrei na editora com um belo sorriso nos lábios. Eu abstraíra e fingiria demência até que ele tocasse no assunto. Se não, eu agiria normalmente, como uma bela covarde.

Cumprimentei a nova estagiária, que ficou no meu lugar, como secretária. Diferente do que eu fazia há dois anos atrás, Jussara (ou apenas Jú) ficou encarregada apenas dos telefonemas, recepção, agendas e afins. E eu permaneci resolvendo os problemas mais sérios, imediatos e algumas coisinhas para Adrian. Portanto, algumas vezes precisava dar suporte à garota morena com um discreto piercing no nariz.

- Bom dia, Jú. – cumprimentei, escutando o tec-tec dos meus próprios saltos naquele chão brilhante.

- Bom dia, dona Alice. – retribuiu, sem jeito, afinal ela tinha dezenove anos.

Mesmo eu tendo pedido a ela, ela continuava a me chamar de dona. Eu detestava o dona. Me sentia velha e acabada. De qualquer forma, a garota não aprendera, mesmo depois de três meses de trabalho. De todo modo, eu relevava.

- Dona Alice? – chamou ela, temerosa demais para o meu gosto.

Ah não, será que ela ia se demitir? Que coisa, logo agora que estava me acostumando a dar ordens. Terei que voltar para o meu cargo antigo e ficar mais afastada de Adrian. Até que me parecia uma boa ideia primeiramente, afinal, foi por causa do nosso envolvimento profissional mais íntimo que eu havia me excedido. Ah, pelo amor de Deus, desde quando um beijo na bochecha era considerado crime?

Foco, Alice.

- Sim. – respondi, depois que percebi que Jussara havia ficado vermelha de ansiedade pela minha resposta que não vinha.

- Bem, tem uma mocinha na sala da recepção querendo achar uma pessoa.

- Mocinha?

- É.

Levantou-se de supetão e acenou para que eu a seguisse até a recepção ao lado.

Não tinha ninguém lá, apenas o moço que colocava a bombona de água no refil, uma criança sentada agarrada num ursinho de pelúcia, e Valdomiro varrendo o chão. Como eu disse, nenhum cliente. Espera um segundo... uma criança? Mas que diabos estava acontecendo ali?

- Mas... – comecei, sem saber direito o que perguntar. Na verdade como perguntar.

- Pois é... – Jussara me acompanhou nas poucas palavras. – Ela disse que estava esperando o seu pai.

- Como?

Não que Adrian proibisse a entrada de crianças na editora. Não, ele não era tão insensível assim como Sarah gostava de salientar às vezes. Mas acontece que ninguém havia trazido nenhum filho pra cá antes. Nunca. Pelo menos, no período em que eu estava trabalhando na empresa. Por isso achei estranho. Fui em direção a menininha loira, de cabelos cacheados.

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